Foto – A profecia de Kadaffi, 2011.
Terça
feira, dia 23 de maio de 2017, teve lugar em Manchester um atentado suicida ao
final de um show da cantora norte-americana Ariana Grande. Saldo: 22 mortes
(entre elas crianças e adolescentes), 116 feridos. Fica aqui nossas
condolências aos mortos e feridos da tragédia e o repúdio ao atentado. Segundo
a Polícia de Manchester, tal atentado foi perpetrado por apenas um homem com
artefato explosivo improvisado. Algo que muito chama a atenção a respeito desse
ataque (cuja autoria o Estado Islâmico assumiu) é que seu autor, Salman Abedi
(que morreu logo após acionar a carga), é descendente de uma família de origem
líbia. O pai de Salman Abedi, Ramadan (o qual alega que seu filho é inocente),
era na década retrasada um operador de um grupo ligado a Al Qaeda na Líbia, o
Grupo Islâmico Líbio de Luta, que advogava na época a deposição de Kadaffi para
substituir a Líbia Verde por um regime teocrático similar ao das
petro-monarquias do Golfo Pérsico. Posteriormente, os pais de Salman Abedi
fugiram para a Inglaterra, em 2011 voltaram à Líbia após a queda de Kadaffi e
hoje moram em Tripoli. Salman Abedi (que cresceu na Inglaterra em uma
comunidade de emigrados que se opunham ao regime de Muammar al-Kadaffi), poucos
dias antes de voltar à Inglaterra, esteve treinando com terroristas na Líbia.
Na
cobertura da grande mídia a respeito do incidente em questão, não vi nenhum
deles falar a respeito da situação em que a Líbia se encontra desde que Muammar
al-Kadaffi foi deposto há seis anos. Muammar al-Kadaffi assumiu o poder na
Líbia em 1969, quando derrubou o Rei Idris I durante a Revolta dos Oficiais
Livres. Antes da Revolução de 1969, a Líbia era um dos países mais pobres do
mundo. Embora fosse um grande produtor de petróleo, as petroleiras ocidentais é
que ficavam com a maior parte da riqueza petroleira do país enquanto que a
maioria da população passava fome e inanição. Para piorar ainda mais a
situação, o país contava com várias bases da OTAN. Ou seja, era um país de
soberania quase nula.
Sob
Kadaffi, a Líbia se tornou o país mais rico e com o maior IDH de toda a África.
Ao contrário do que fazem, por exemplo, os monarcas dos Estados do Golfo
Pérsico, não usava o dinheiro do petróleo para enriquecimento próprio, muito
menos para construir palácios luxuosos ou comprar iates e carros importados.
Ele utilizou a renda do petróleo (após sua devida nacionalização) para
reconstruir o país e garantir melhores condições de vida para o povo. O país e
a infraestrutura foram modernizados e inúmeros avanços sociais foram atingidos.
Alcançou uma altíssima taxa de alfabetização, a saúde e a eletricidade eram
gratuitas, empréstimos bancários eram livres de juros, recém-casados recebiam
cerca de €50 mil para construir uma nova casa, mães recebiam cerca de €5 mil
por filho, os cidadãos recebiam uma percentagem de todas as vendas do petróleo
(cerca de €0,14 por litro), o governo pagava a metade do preço do seu carro,
desempregados líbios recebiam o salário médio por sua profissão em benefícios,
entre outros. A título de ilustração, em 1970 a Líbia tinha um IDH um pouco
abaixo do Brasil (0,541 contra 0,551 do Brasil), ao passo que 37 anos depois o
IDH líbio subiu para 0,810, enquanto que o IDH brasileiro era de 0,764.
Desde
que Kadaffi morreu, a Líbia enquanto estado nacional se encontra esfacelada e
se tornou uma terra de ninguém, um verdadeiro grande campo de treinamento de
terroristas que depois são exportados para outros países. O país perdeu sua
unidade política e agora abriga três diferentes governos: um em Tobruk (que
domina a região oriental e que tem sob seu controle os principais recursos
petroleiros) e dois em Tripoli, capital nacional, que competem pela supremacia
na parte ocidental do país. Além disso, também há atualmente na Líbia células
de grupos terroristas como o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Diante de tamanha
instabilidade interna, a Líbia, a partir de 2011, se tornou a partir uma das
principais rotas de refugiados vindos do norte da África para a Europa. De
acordo com diversos organismos internacionais, desde 2015 mais de 15 mil
pessoas têm sido mortas nas regiões costeiras do país tentando atravessar o Mar
Mediterrâneo em direção à Europa. O próprio Kadaffi, em seus últimos meses de
vida, alertou ao mundo que uma eventual deposição sua nas mãos dos grupos
wahhabitas apoiados pelo Ocidente e as petro-monarquias do Golfo Pérsico a
Europa e o Mar Mediterrâneo se transformaria em um mar de caos. Isso para não
falar do genocídio perpetrado contra negros africanos que conta com o silêncio
dos grandes meios de comunicação ocidentais.
Não
vejo ninguém na mídia mainstream dizer que atentados como esse, assim como
anteriores tais como os ocorridos em Paris contra o Charlie Hebdo e o Le
Bataclan, nada mais são que sintomas da tragédia humanitária que tem afligido
vários países do Oriente Médio e do norte da África desde a invasão
norte-americana ao Afeganistão em 2001, assim como do envolvimento de países
como a Inglaterra e a França (os quais durante muitos anos financiaram grupos
de oposição a Kadaffi) nesses conflitos a reboque dos EUA e sua política de
caos e desestabilização de governos na região. Ou seja, a Europa nada mais está
que colhendo o que tem plantado no Mundo Islâmico desde o início da Primavera
Árabe e arcando com o ônus de uma política teleguiada desde Washington.
Foto – “O terrorismo irá parar
aqui, vai se exportar através da imigração ilegal para a Europa”. O aviso do
presidente sírio Bašar al-Assad (em inglês).
Em
entrevista concedida a um jornal alemão em junho de 2013, Bašar al-Assad disse
que um dia a Europa pagará um preço muito caro se continuar a armar os rebeldes
sírios, pois isso acarretará futuramente em uma expansão do terrorismo de matiz
salafista em solo europeu, na medida em que chegarão ao Velho Continente
terroristas com experiência de combate e ideologias extremistas que fatalmente
vão tirar proveito da situação de marginalização social que sofrem as
populações islâmicas da Europa. E o próprio Kadaffi, dois anos antes, disse que
caso ele fosse derrubado pelos grupos terroristas apoiados pelo Ocidente, a
Europa seria inundada por uma onda de refugiados vindos do norte da África. As
profecias de Kadaffi e Assad agora estão se cumprindo na forma de uma grande
onda de refugiados vindos do Mundo Islâmico em direção a Europa.
Assim,
crises como a que a Síria e a Líbia (que sob a estabilidade trazidas pelos
governos Assad e Kadaffi funcionavam como um dique de contenção contra tal
fluxo migratório) hoje se debatem vão se repetir e desta vez não será no
Oriente Médio, no norte da África ou em algum rincão periférico da Europa, e
sim em grandes metrópoles do coração da Europa como Berlim, Paris, Hamburgo,
Hannover, Londres, Copenhagen, Amsterdã, Oslo, Turim, Milão, Berna, Zurique,
Estocolmo, Helsinque, Trondheim, Viena, Munique, Nice, Frankfurt, Manchester,
Eindhoven, Dortmund, Estrasburgo, Liverpool, Barcelona, Marselha e outras
tantas. Ante essa saia-justa eu vou querer ver como que os governos ocidentais
vão se sentir tendo que lidar em seu próprio solo com os monstros que eles
criaram e armaram no passado, ainda mais agora que a caixa de Pandora foi
aberta.
Foto – A dupla moral de países como a
França, a Inglaterra e os EUA na questão do terrorismo.
Algo
digno de nota a respeito da repercussão que o atentado teve foi a pérola que a
cantora estadunidense Katy Perry soltou em uma entrevista no dia seguinte ao
atentado. A antiga cantora gospel disse que não deveria haver barreiras,
fronteiras e que “nós apenas precisamos coexistir”. É a mesma Katy Perry que no
pleito presidencial do ano passado apoiou Hillary Clinton (a mesma Hillary
Clinton que foi a arquiteta da guerra que levou a Líbia à ruína e que riu da
morte de Kadaffi e que, portanto tem responsabilidade no cartório pelo ocorrido
em Manchester), participou de comícios prestando apoio à candidata democrata e
que participou de uma marcha feminista contra Donald Trump logo após o
republicano tomar posse. Que moral será que artistas como ela e a própria Ariana Grande (que também apoiou Hillary Clinton) tem para ficar chorando pelas mortes em Manchester sendo que apoiaram a grande responsável pela ruína da Líbia verde? Nenhuma. Talvez com a Líbia verde de pé até hoje tais crianças não estariam mortas no presente momento.
Foto – Katy Perry em comício ao lado
de Hillary Clinton.
Também
digno de nota é que aconteceu na mesma Manchester no dia 25 de maio, onde após
um minuto de silêncio pelas vítimas do atentado uma multidão cantou a música
“Don’t Look Back on Anger”, da banda Oasis (a qual foi formada em Manchester). Pelo
visto ela e muitos outros artistas, estupidamente, pensam que é com amor,
flores e musiquinhas do tipo “Imagine” de John Lennon que se vence o flagelo
trazido por Estado Islâmico, Al Qaeda, Al Nusra e outros grupos terroristas
wahhabitas que o Ocidente “livre e democrático” apoia. Quero ver se ela vai
continuar com essa conversa mole na hora em que um desses fanáticos salafistas
aparecer na mansão milionária dela (que certamente tem todo um sistema de
segurança), enchê-la de bombas e depois estupra-la e degola-la com um facão.
Talvez só assim para esses artistas deixarem de ser tão estúpidos, imbecis e cínicos.
Tal flagelo se vence é denunciando o histórico apoio que o Ocidente dá a essa
gente, a política de quanto pior melhor do Ocidente no Mundo Islâmico e os
combatendo no campo de batalha da mesma forma com que a Rússia e o Irã fazem
hoje na Síria, não com tais musiquinhas cretinas e imbecis e pedidos de paz e
amor.
Foto – Charge de Latuff sobre o
atentado em Manchester.
Fontes:
Assad
diz que política francesa no Oriente Médio contribui para avanço do terrorismo.
Disponível em:
Atentado
suicida em show de Ariana Grande deixa 22 mortos e mais de 50 feridos em
Manchester. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/23/internacional/1495490731_587061.html
Autor
de atentado a Manchester é identificado como filho de líbios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/autor-de-atentado-manchester-identificado-como-filho-de-libios-21380843
Bomber’s father fought against Gadaffi regime with
“terrorist” group (em inglês). Disponível
em: https://www.theguardian.com/uk-news/2017/may/24/bombers-father-fought-against-gaddafi-regime-with-terrorist-group
Hillary Clinton bears responsibility for the
Manchester atrocity (em inglês). Disponível
em: http://theduran.com/hillary-clinton-bears-responsibility-for-the-manchester-atrocity/
Katy Perry on Manchester bombings: “No barriers, no
borders, we all just need to co-exist” (em inglês). Disponível em: http://www.breitbart.com/big-hollywood/2017/05/23/katie-perry-on-manchester-bombing-no-barriers-no-borders-we-all-just-need-to-co-exist/
Multidão
canta Oasis após minuto de silêncio em Manchester; vídeo viraliza. Disponível
em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/multidao-canta-oasis-apos-minuto-de-silencio-em-manchester-video-viraliza.ghtml
No
laughing matter: The Manchester Bomber is the Spawn of Hilary and Barack’s
Excellent Jihad adventure (em inglês). Disponível
em: http://www.counterpunch.org/2017/05/29/no-laughing-matter-the-manchester-bomber-is-the-spawn-of-hillary-and-baracks-excellent-libyan-adventure/