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– Muammar al-Kadaffi (1942 – 2011).
Em 20 de outubro de 2016
completaram-se cinco anos do falecimento do coronel Muammar Muhammad Abu Minyar
al-Kadaffi, o homem que governou a Líbia entre os anos de 1969 a 2011.
Nascido em 7 de junho de
1942, em sua juventude Kadaffi foi influenciado pelos ideais pan-arabistas do
líder egípcio Gamal Abdel Nasser (com os quais teve conhecimento através do
programa de rádio “Voz dos Árabes”, que transmitia do Cairo os discursos do
presidente egípcio a todo o mundo árabe), chegou ao poder na Líbia em 1969 ao
derrubar o Rei Idris I através do movimento dos oficiais livres. Antes de
Kadaffi ascender ao poder, a Líbia era um país extremamente miserável (tal qual,
por exemplo, a Venezuela antes de Hugo Chávez), cuja renda per capita era
estimada em 40 dólares por pessoa em seus primeiros anos após a independência. E
isso para não falar da forte ingerência ocidental nos assuntos internos líbios.
Em 1959, quando Kadaffi ainda estava no colegial, foi descoberto petróleo na
Líbia, que trouxe para o país grande quantidade de divisas, mas que pouco ou
nada melhorou na qualidade da vida do povo (e isso para não falar do fato de
que a exploração do petróleo líbio estava na mão de companhias petrolíferas
ocidentais, as quais viviam maquinando para conseguir favores da parte da
monarquia), no que só ajudou a reforçar com o ímpeto revolucionário de Kadaffi.
Tal cooperação com o
Ocidente (que incluía, entre outras coisas, a corrupção moral de sua população
através da exposição aos estilos de vida ocidentais, o estabelecimento das
bases militares britânicas em Tobruk e El Adem e a base norte-americana de
Wheelus, situada nas cercanias de Trípoli, que serviu de base de treinamento
para a Organização do Tratado do Atlântico Norte [OTAN], elo de ligação do
Comando Aéreo Estratégico e quartel-general da 17ª força aérea dos Estados
Unidos, além da criação de uma Estação de Rádio em Benghazi que transmitia
propaganda pró-ocidental para o mundo árabe, em contraposição à “Voz dos
Árabes” e uma missão de apoio ianque onde conselheiros e técnicos operavam em
todos os setores do governo e administrações regionais), além da repressão
política, foi com o tempo corroendo com a popularidade do rei Idris I entre o
povo líbio.
Enquanto isso, Kadaffi
desenvolveu uma grande atividade revolucionária, onde discutia seus planos
visando à derrubada da monarquia em encontros secretos, assim como o governo
que seria instaurado depois disso. E, a partir de 1963, fundou o Movimento
Secreto dos Oficiais Sindicalistas Livres, nomeado em homenagem ao movimento
liderado por Nasser que em 1952 derrubara o Rei Faruk. Após receber a patente
de tenente do Exército Líbio e breve uma passagem na Inglaterra (onde estudou
táticas de comunicações em Beaconsfield), iniciou suas conspirações contra o
rei e sua autoridade. Nesse ínterim, colheu de forma oculta informações sobre o
aparato de repressão do rei (incluindo sua polícia secreta e suas forças de
segurança), e soube que eram minados por corrupção, ineficiência e eram dados a
bebedeiras. E seu movimento, composto principalmente por pessoas dos estratos sociais
subalternos da sociedade líbica, cresceu. E assim, em 1º de setembro de 1969,
quando o rei Idris estava de férias na Turquia, Kadaffi agiu. Ao fim de uma
conspiração que se alastrou pelo país todo, o rei Idris foi deposto e Kadaffi
se tornou o novo senhor da Líbia. E, junto com a deposição do rei, aboliu
também a Constituição de 1951 e instituiu um novo regime, que ele mais tarde
viria a chamar de Jamahiriya, o
estado das massas, norteado pelas ideias do livro que ele mesmo escreveu, o
Livro Verde, orientado por um conjunto de ideias as quais ele deu o nome de
Terceira Teoria Universal.
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– Exemplares do Livro Verde de Kadaffi (em inglês e em russo).
Sob Kadaffi, a Líbia se
tornou o país mais rico e com maior IDH de toda a África. Diferente do que
fazem, por exemplo, os monarcas dos Estados do Golfo Pérsico, Kadaffi não usava
o dinheiro do petróleo para enriquecimento próprio. Nunca construiu palácios
luxuosos, muito menos iates e carros importados. Muito pelo contrário, utilizou
a renda do petróleo (após esse ser devidamente nacionalizado) para reconstruir
o país e garantir melhores condições de vida para o povo. O país e sua
infraestrutura foram modernizados, e inúmeros avanços sociais foram alcançados.
A Líbia tinha uma altíssima taxa de alfabetização, saúde e eletricidade eram
gratuitos, empréstimos bancários eram livres de juros, recém-casados recebiam
cerca de €50 mil para construir uma nova casa, mães recebiam cerca de €5 mil
por filho, os cidadãos recebiam uma percentagem de todas as vendas do petróleo
(que era €0,14 por litro), o governo pagava a metade do preço do seu carro, desempregados
líbios recebiam o salário médio por sua profissão em benefícios, entre outros.
Para terem ideia da
situação, em 1970, logo após a subida de Kadaffi ao poder, a Líbia tinha um IDH
um pouco pior ao do Brasil (0,541 contra 0,551 do Brasil), que com o passar dos
anos foi sendo superado. Em 2007, a situação era outra: o IDH líbio (então o
maior de toda a África) era de 0,810, enquanto que o IDH brasileiro era de
0,764 (e que mesmo com os avanços sociais dos governos Lula e Dilma pouco ou
nada reduziu com o abismo entre ricos e pobres).
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– Os êxitos sociais do governo Kadaffi na Líbia (em inglês).
E, como não poderia
deixar de ser, Kadaffi (que em seu governo apoiou várias lutas de libertação
como na Nicarágua, em Angola e Moçambique, além de ter dado apoio à Iugoslávia
na década de 1990 ante a ofensiva germano-americana-saudita-turca-iraniana em
apoio aos separatismos bósnio, croata, esloveno e kosovar), tal qual também
aconteceu com líderes como Saddam Hussein, Hugo Chávez, Fidel Castro, Thomas
Sankara, Mahmoud Ahmadinejad, Slobodan Miloševiċ, Evo Morales, Kim Jong-il,
Bashar al-Assad, Nicolás Maduro e todos aqueles que não seguem e comungam com a
cartilha geopolítica do poder atlantista ocidental, foi extremamente demonizado
nos grandes meios de comunicação (que obviamente são partidários em favor do
poder atlantista). Acusações de envolvimento com terrorismo foram uma constante
em seus 42 anos de governo, assim como a periódica submissão do país à sanções
econômicas (entre elas uma que vigorou entre 1992 a 1999) pela ONU e até mesmo
a ataques aéreos ocidentais (como os que atingiram Tripoli e Benghazi em 1986 e
que ceifaram com a vida de sua filha caçula, Hanna).
Entretanto, em seus
últimos anos de vida Kadaffi cometeu o erro de abandonar os investimentos no
desenvolvimento bélico de seu país em troca de melhores relações diplomáticas
com o Ocidente (foi a partir daí que Kadaffi teve seus inúmeros encontros com
chefes de Estado ocidentais, entre eles Silvio Berlusconi, Nicolas Sarkozy,
Tony Blair e George W. Bush). O que Kadaffi certamente não previu é que esse
mesmo Ocidente, mais ou mais tarde, iria lhe aplicar uma punhalada pelas costas
do mesmo jeito. O que veio a acontecer a partir de 19 de março de 2011, em meio
à Primavera Árabe (que não passou de uma grande revolução colorida) através de
uma invasão da OTAN, com Estados Unidos, Inglaterra e França à frente. Tal
invasão, que também contou com o apoio da Turquia e das corruptas e vendidas
monarquias do Golfo Pérsico, foi feita com o objetivo de reconquistar a
produção de petróleo do país (na época superior a 45 bilhões de barris em
reservas) para as companhias petroleiras ocidentais e meter a mão no Banco
Central Líbio (que em sua época não era ligado ao Sistema Financeiro
Internacional, o qual ficou extremamente incomodado após Kadafi propor e quase
conseguir que os países africanos formassem uma moeda única desligada do dólar
e lastreada no ouro [e assim protegida das flutuações cambiais do dólar]).
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– Bandeira da Líbia entre 1977 a 2011.
Durante a invasão da
OTAN á Líbia em 2011 (onde foi imposta uma zona de exclusão área ao país), diversas
cidades foram destruídas (entre elas Sirte, onde Kadaffi foi martirizado),
assim como o Grande Rio Verde (a maior obra arquitetônica dos tempos modernos e
que transportava água potável para dezenas de cidades líbias) e o aeroporto de
Trípoli (que foi construído por empreiteiras brasileiras).
Kadaffi recusou diversas
propostas para deixar seu país, onde ficou e lutou até o seu martírio no dia 20
de outubro de 2011 nas mãos dos terroristas do Conselho Nacional de Transição
(cuja bandeira é a mesma que a Líbia usava no tempo do Rei Idris I). E vejam a
diferença: enquanto que para destruir o Iraque foi preciso duas massivas invasões
anglo-americanas, sanções econômicas seguidas de uma longa e sangrenta guerra
civil, para destruir a Venezuela e a Síria foi preciso uma guerra civil
teleguiada desde o Ocidente e para destruir a Líbia foi preciso uma guerra
civil combinada com uma invasão do “exército democrático da OTAN” (referência
ao título de uma música sérvia de mesmo nome, feita em 1999, quando a
Iugoslávia foi flagelada por um ataque da OTAN. A melodia dessa música é a
mesma da música da guerra civil russa “Exército Branco, Barão Negro” [em russo
Belaïa Armiïa, Chïornyï Baron/Белая Армия, Чёрный Барон]), aqui no Brasil foi
preciso apenas algumas manobras de uma camarilha de políticos corruptos e entreguistas
somado à ação da mídia de massa e do judiciário igualmente corrupto para Dilma
Rousseff sofrer impeachment. E isso ainda mais levando em consideração que para
a destruição da Líbia (um pequeno país que a época contava com cerca de 6
milhões de habitantes) e sua infraestrutura, foi preciso a OTAN reunir 70
países e infiltrar mercenários estrangeiros (ligados a grupos terroristas como
a Al Qaeda) em várias cidades do país.
Desde que Kadaffi se
foi, a Líbia se encontra esfacelada, abrigando três diferentes governos: um em
Tobruk (que domina a região oriental e que controla os principais recursos
petroleiros) e dois em Tripoli, capital nacional, que competem pela supremacia
na parte ocidental do país. Sem contar com o fato de que atualmente existem na
Líbia células de grupos terroristas wahhabitas como o Estado Islâmico e a Al Qaeda
e o fato de ser um dos principais países por aonde refugiados vindos do norte
da África se dirigem à Europa. Segundo diversos organismos internacionais,
desde 2015 mais de 15 mil pessoas têm sido mortas nas regiões costeiras do país
tentando atravessar o Mar Mediterrâneo em direção à Europa. Diga-se de
passagem, o próprio Kadaffi, em seus últimos meses de vida, alertou ao mundo
que caso viesse a ser deposto pelos grupos wahhabitas apoiados pelo Ocidente e
pelas petro-monarquias do Golfo Pérsico haveria imigração em massa para a
Europa e o Mar Mediterrâneo se transformaria em um mar de caos (e isso para não
falar do fato de que o atual candidato Republicano à presidência dos Estados
Unidos, Donald Trump, ter dito que o mundo seria um lugar melhor caso Saddam
Hussein e Muammar al-Kadaffi estivessem no poder até hoje em seus respectivos
países).
Kadaffi infelizmente não
está mais entre nós há meia década. Ele pode ter sido destruído fisicamente por
seus algozes, mas as ideias de um líder de seu porte, que em vida foi um
gigante que pisou na face da Terra (ainda mais se comparado a figuras medíocres
como Bill Clinton, George W. Bush, Felipe Gonzáles, Barack Obama, Sarkozy,
Hollande, Tony Blair, Merkel e David Cameron, os quais em seus respectivos
países não passam de gerentes que administram o Estado burguês em nome dos
grandes capitalistas), jamais serão esquecidas, assim como sua história de vida
e todo seu esforço para libertar não só a Líbia como também a África inteira do
jugo imperialista ocidental e a espoliação dele decorrente (que infelizmente se
manteve mesmo após as independências formais das nações africanas).
Muammar Muhammad Abu Minyar al-Kadaffi, PRESENTE!
Foto
– A profecia de Kadaffi.
Fontes:
Benjamin, Kyle. Os
grandes líderes: Kadafi. São Paulo: Nova Cultural, 1987.