sábado, 18 de novembro de 2023

A conspiração Saddam-Al Qaeda (texto da página História Islâmica + comentários meus)

 

(Veja o carrossel na íntegra em: https://www.instagram.com/p/Czuf4joLegH/)

Os atentados de 11 de Setembro inauguraram uma nova era na geopolítica do Ocidente, com incursões injustificadas a países não-alinhados ao eixo estadunidense-europeu sob alegações dúbias e a criação de todo um aparato ideológico para justificá-las aos olhos da opinião pública.

Toda uma indústria de think tanks, pensadores e conspirações emergiu do dia para a noite - do resgate da teoria do “Choque de Civilizações” de Samuel P. Huntington, fortemente criticada no meio acadêmico desde sua gênese, ao destaque de figuras como Robert B. Spencer, um conspiracionista.

O impacto foi tamanho que antes minorias paquistanesas que eram categorizadas como “povos asiáticos”, dentre outros, passaram a ser catalogadas nos dados oficiais do Reino Unido como “minorias muçulmanas”, de modo a facilitar a investigação e a categorização de todo e qualquer aderente ao Islã como suspeito.

George W. Bush, buscando criar e resgatar toda uma imagética ancestral ligada à contenda contra muçulmanos, chegou a proclamar uma “cruzada contra o terrorismo” - invadindo posteriormente países de ideologia nacionalista-secular, como o Iraque governado pelo Baath de Saddam Hussein, que possuem inimizade histórica com extremistas.

Foi nesse caldeirão cultural de conspiracionismo e anseio por guerra que nasceu a conspiração Saddam-Al Qaeda, que segundo Tony Blair, a CIA, a NSA e outros atores geopolíticos e agências de inteligência, não possuíam factualidade, dada a ideologia baathista do presidente Saddam Hussein.

Posteriormente, então, a opinião pública e jornalistas independentes começaram a notar os furos na narrativa do Pentágono, ansiando por respostas por parte da Casa Branca. Veio então a alegação posterior, falsa, de que o Iraque estava produzindo e utilizando armas de destruição em massa.

Mesmo assim a guerra prosseguiu, deixando um rastro de mais de um milhão de mortos, direta e indiretamente, como consequência da guerra, além de surtos de anemia, tuberculose e diversas outras doenças ligadas à insegurança alimentar e à destruição da infraestrutura do país, que até os dias atuais não se recuperou.

O parlamentar democrata Jason Crow, veterano do conflito no Iraque, reconhecendo a responsabilidade do governo de seu país e das agências de inteligência, dedica parte de sua carreira à denúncia da guerra e à busca por respostas, dados os gigantescos danos que o conflito causou no povo iraquiano.

Fato é que o presidente George W. Bush, obcecado com o regime iraquiano segundo fontes ligadas à Casa Branca, iniciou um conflito sem justificativa no direito internacional que gerou fome, miséria, morte e um lastro de sofrimento que, até os dias atuais, segue marcando profundamente a geografia, o corpo e a alma dos iraquianos.

Bibliografia:

- “Ataques do 11 de Setembro”. Wikipedia.

- KARIM, Kaleef K. “5 LIES Robert Spencer Made On Islam In The Debate With James R. White”. Discover the Truth. 2017.

- ABRAHAMIAN, Ervand. “The US media, Huntington and September 11”. Carfax Publishing. 2003.

- “George W. Bush 1946 – American Republican statesman, 43rd President 2001–9”. Oxford Reference. 2017. “This crusade, this war on terrorism is going to take a while”.

- RIEDEL, Bruce. “9/11 and Iraq: The making of a tragedy”. Brookings. 2021.

- “Saddam-Al-Qaeda Conspiracy”. Wikipedia.

- MERCHANT, Nooman. “Iraq WMD failures shadow US intelligence 20 years later”. AP. 2023.

- KARAM, Zeina. ABDUL-ZAHRA, Qassim. “Death and suffering in Iraq a painful legacy of 9/11 attacks”. AP. 2021.

- NODELL, Bobbi. “Study: Nearly 500,000 perished in Iraq war”. UW News. 2013.

- “Iraqi Refugee Health Profile”. CDC: Center for Disease Control and Prevention.

- KESSLER, Glenn. “The Iraq War and WMDs: An intelligence failure or White House spin?” The Washington Post. 2019.

- POYNTING, Scott. MASON, Victoria. ““Tolerance, Freedom, Justice and Peace”?: Britain, Australia and AntiMuslim Racism since 11 September 2001”. Routledge. 2006.

- CHALLAND, Bottici. CHALLAND, Benoit. “The Myth of the Clash of Civilizations”. Routledge Advances in Middle East and Islamic Studies. 2010.

Fonte: https://www.youtube.com/post/UgkxRYRzWWdDWUgwusMmgDlRvXFVMOsz74gc

MEUS COMENTÁRIOS

Mais um ótimo texto que encontrei na comunidade do You Tube da página História Islâmica e que eu trago para este blog.

Depois de seis artigos seguidos sobre a questão palestina, trago um artigo sobre o Iraque e as mentiras que foram criadas ao longo de vários anos para justificar a destruição da nação mesopotâmica. E uma dessas muitas mentiras, ventiladas por figuras como Bush II e os ideólogos neoconservadores de sua administração com vistas a justificar as aventuras militares de seu governo, é a suposta ligação do regime baathista iraquiano com a Al Qaeda de Osama Bin Laden. Até insinuaram à época que o Iraque estava envolvido com os ataques do 11 de setembro de 2001 (sendo que dos 19 terroristas dos atentados em questão, 15 eram sauditas e nenhum deles era iraquiano).

Entretanto, a mentira da ligação do regime baathista iraquiano com a Al Qaeda não foi a primeira dessas que ao longo de vários anos foram criadas e depois espalhadas aos quatro ventos. Em outras palavras, é apenas a ponta do iceberg das mentiras que se criaram ao longo desse tempo todo.

Pode-se dizer que a acusação lançada em 1988 pelo então secretário de Estado dos EUA, George Schultz, foi o ponto zero, o momento no qual o ovo da serpente foi chocado. À época, Schultz, sem apresentar evidência concreta alguma, acusou Saddam Hussein de utilizar armas químicas contra os curdos iraquianos no vilarejo de Halabdža. Após a acusação de Schultz, sanções contra o Iraque foram aprovadas pelo Senado dos EUA.  Segundo o professor Ramez Maalouf em uma de suas colunas publicadas no Correio da Cidadania, “A acusação de Schultz contra Saddam Hussein foi brandida como a grande prova incomensurável da brutalidade, sadismo e selvageria de como o líder iraquiano tratava sua própria população. Ela serviu como o mais forte pretexto para as invasões ianques do Iraque em 1991 e 2003”.

A acusação contra Saddam feita por Schultz logo foi desmascarada pelo ex-analista da CIA, Stephen Pelletiere, que escreveu um artigo no qual mostrou que a acusação de Schultz não fazia sentido algum (e os meios de comunicação ocidentais se omitiram a esse respeito, visto que as provas que ele apresentou eram irrefutáveis). E que o ataque químico em questão não foi feito pelo Iraque, e sim pelo Irã, visto que o gás usado neste ataque era o cianeto, o gás usado pelo Irã na guerra Irã-Iraque, e não o gás mostarda, o gás usado pelo Iraque na mesma guerra.

Em 1990, com George H. W. Bush, o Bush I, à frente da Presidência dos Estados Unidos, houve o testemunho de Nayirah, uma garota de 15 anos, a qual acusou em um comitê de direitos humanos do Congresso dos Estados Unidos o exército iraquiano de promover crimes de guerra durante a invasão ao Kuwait. E uma dessas atrocidades, descrita por ela aos prantos, é que as tropas iraquianas invadiam hospitais e retiravam bebês de incubadoras para estes morrerem no chão frio. O depoimento de Nayirah foi retransmitido para todo o território dos EUA, além de ter sido amplamente divulgado na imprensa internacional e por ONGs de direitos humanos.

No fim das contas, o depoimento de Nayirah serviu de pretexto para Bush I, aproveitando-se do vácuo de poder que o enfraquecimento (e posterior esfacelamento) da União Soviética estava deixando sobre a Eurásia, primeiro levantar sanções econômicas ao Iraque ainda em 1990 e um ano mais tarde invadir a nação mesopotâmica por meio da Operação Tempestade do Deserto. E também se revelou uma farsa: depois do fim da Primeira Guerra do Golfo descobriu-se que a história descrita por Nayirah era falsa.

E o buraco era ainda mais embaixo: também se descobriu que o sobrenome dela é al-Sabah e que ela era filha do embaixador do Kuwait em Washington, Saud Nasser al-Sabah (que esteve presente na audiência da filha).

Bush I não conseguiu derrubar Saddam Hussein com a Operação Tempestade do Deserto, e por conta de seu fracasso no Iraque não conseguiu se reeleger Presidente dos Estados Unidos em 1992, visto que perdeu o pleito eleitoral daquele ano para o democrata Bill Clinton.

Sob o pretexto de que o Iraque tinha a posse de armas de destruição em massa, as sanções levantadas por Bush I continuaram sob Clinton. No período de 1991 a 2003, o Iraque foi submetido a seguidos ataques de mísseis balísticos lançados a partir de bases norte-americanas no Oriente Médio, como em 1993, 1994, 1996 (Operação Golpe no deserto), 1998 (Operação Raposa do Deserto), 1999 e 2002/2003 (Operação Foco Sul), além de sob o pretexto de proteger os curdos (os quais sob a liderança de grupos como os peshmergas há muito tempo vêm almejando estabelecer no norte do Iraque um estado à imagem e semelhança de Israel, calcado no exclusivismo étnico-religioso) e os xiitas de genocídios submeter o país a zonas de exclusão aérea no norte e no sul.

Data dessa época uma entrevista de Madeleine Albright, secretária de Estado dos EUA durante o governo Clinton, no qual ela diz que em nome da mudança de regime em Bagdá as mortes decorrentes das sanções econômicas impostas ao Iraque valiam a pena.

Em 2000, Saddam Hussein resolveu parar de negociar o petróleo iraquiano com base no dólar, dando preferência a outras moedas como o euro e o rublo. Do outro lado do Atlântico, George W. Bush, o Bush II, vence o democrata Al Gore no pleito presidencial americano.

Bush II, uma vez no poder, também lança seu arsenal de mentiras e lorotas para justificar a invasão ao Iraque (em conjunto com a Inglaterra) em 2003. Ele não apenas acusou o Iraque de cumplicidade e envolvimento com a Al Qaeda, como também de envolvimento com os ataques de 11 de setembro de 2001. Em 2002, inventou a história de que Irã, Iraque e Coréia do Norte formavam um famigerado “eixo do mal” (um eixo na prática inexistente, visto que Irã e Iraque, depois de 1979, nunca se entenderam – e nos primeiros anos após a queda do regime baathista no Iraque, Irã e EUA formaram uma espécie de condomínio no Iraque), e ainda por cima requentou acusações de posse de armas de destruição em massa que vinham desde os tempos de Bush I e Clinton e que ajudaram a justificar sanções econômicas contra a nação mesopotâmica.

Em 2014, o professor Ramez Maalouf publicou em suas colunas no Correio da Cidadania uma série de quatro artigos sobre os mitos difundidos pelos grandes meios de comunicação que ajudaram a destruir o Iraque, e que em última instância abriram o caminho para o surgimento do Estado Islâmico na nação mesopotâmica.

E o mais escabroso a respeito desses mitos é que amplos setores de esquerda engolem tais mentiras de forma acrítica. E é assim que a Dinastia Bush (e em menor grau os Clinton também) pôde fazer o que fez com o Iraque desde 1991.

Essa esquerda, representada no Brasil por partidos como PSOL, PSTU e outros afins (e até mesmo setores mais à direita dentro do PT), tem um comportamento, digamos, um tanto quanto peculiar e inusitado. Sempre que determinado regime, por uma questão de sobrevivência, precisa se fechar e até mesmo utilizar-se da força contra aqueles que conspiram para sua queda, eles passam a entoar mantras como “Assad tem que cair”, “fora Maduro”, “abaixo Evo Morales”, “Kadaffi nunca mais”, “tchau Dilma” e outros afins em nome da liberdade, dos direitos humanos e da democracia. Apoiam todo e quanto é tipo de revolução colorida mundo afora, que geralmente termina de forma catastrófica para o país por ela flagelado.

Em minha humilde opinião, a raiz de tal comportamento por parte de expressivos setores da esquerda brasileira em tais situações vem do fato de que, segundo o que Nildo Ouriques aponta em sua obra “O colapso do figurino francês” (sobre a qual fizemos um resumo dividido em cinco partes aqui mesmo há três anos), essa esquerda, influenciada pelo pensamento uspiano, pensa determinados fenômenos sociais e políticos a partir de dualidades binárias, entre elas o “moderno x atrasado” e o “democrático x autoritário”, sem levar em consideração que tais dualidades na verdade na verdade são partes de unidades contraditórias, e não elementos estanques entre si.

Dai que quando eles analisam, por exemplo, não apenas as experiências socialistas do século passado como a União Soviética, a República Popular da Mongólia, a República Popular da China, a Coréia do Norte e o Vietnã, como também o Iraque sob Saddam Hussein, a Líbia sob Muammar al-Kadaffi, o Egito sob Gamal Abdel Nasser, a Síria sob os Assad e outras, ficam muito presos à questão de direitos humanos e democracia. É, parafraseando o velho Brizola, uma esquerda que a direita gosta.

Lembremos que o Iraque, no tempo de Saddam Hussein, era um dos principais apoiadores da causa palestina dentro do mundo árabe. E após a morte de Nasser, pode-se dizer que o Iraque baathista era o inimigo número 1 de Israel no Oriente Médio. Também apoiou junto com Kadaffi a revolução sandinista na Nicarágua, ajudou na formação do Hezbollah ao permitir que membros da Guarda Revolucionária Iraniana atravessassem o espaço aéreo iraquiano em direção ao Líbano, em 1982. Posicionou-se a favor da independência de Porto Rico em relação aos Estados Unidos, e era aliado de Cuba. Entre tantas outras coisas.

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