(Veja o carrossel na
íntegra em: https://www.instagram.com/p/Czuf4joLegH/)
Os atentados de 11 de Setembro inauguraram uma nova era na
geopolítica do Ocidente, com incursões injustificadas a países não-alinhados ao
eixo estadunidense-europeu sob alegações dúbias e a criação de todo um aparato
ideológico para justificá-las aos olhos da opinião pública.
Toda uma indústria de think tanks, pensadores e conspirações
emergiu do dia para a noite - do resgate da teoria do “Choque de Civilizações”
de Samuel P. Huntington, fortemente criticada no meio acadêmico desde sua
gênese, ao destaque de figuras como Robert B. Spencer, um conspiracionista.
O impacto foi tamanho que antes minorias paquistanesas que
eram categorizadas como “povos asiáticos”, dentre outros, passaram a ser
catalogadas nos dados oficiais do Reino Unido como “minorias muçulmanas”, de
modo a facilitar a investigação e a categorização de todo e qualquer aderente
ao Islã como suspeito.
George W. Bush, buscando criar e resgatar toda uma imagética
ancestral ligada à contenda contra muçulmanos, chegou a proclamar uma “cruzada
contra o terrorismo” - invadindo posteriormente países de ideologia
nacionalista-secular, como o Iraque governado pelo Baath de Saddam Hussein, que
possuem inimizade histórica com extremistas.
Foi nesse caldeirão cultural de conspiracionismo e anseio
por guerra que nasceu a conspiração Saddam-Al Qaeda, que segundo Tony Blair, a
CIA, a NSA e outros atores geopolíticos e agências de inteligência, não
possuíam factualidade, dada a ideologia baathista do presidente Saddam Hussein.
Posteriormente, então, a opinião pública e jornalistas
independentes começaram a notar os furos na narrativa do Pentágono, ansiando
por respostas por parte da Casa Branca. Veio então a alegação posterior, falsa,
de que o Iraque estava produzindo e utilizando armas de destruição em massa.
Mesmo assim a guerra prosseguiu, deixando um rastro de mais
de um milhão de mortos, direta e indiretamente, como consequência da guerra,
além de surtos de anemia, tuberculose e diversas outras doenças ligadas à
insegurança alimentar e à destruição da infraestrutura do país, que até os dias
atuais não se recuperou.
O parlamentar democrata Jason Crow, veterano do conflito no
Iraque, reconhecendo a responsabilidade do governo de seu país e das agências
de inteligência, dedica parte de sua carreira à denúncia da guerra e à busca
por respostas, dados os gigantescos danos que o conflito causou no povo
iraquiano.
Fato é que o presidente George W. Bush, obcecado com o
regime iraquiano segundo fontes ligadas à Casa Branca, iniciou um conflito sem
justificativa no direito internacional que gerou fome, miséria, morte e um
lastro de sofrimento que, até os dias atuais, segue marcando profundamente a
geografia, o corpo e a alma dos iraquianos.
Bibliografia:
- “Ataques do 11 de Setembro”. Wikipedia.
- KARIM, Kaleef K. “5 LIES Robert Spencer Made On Islam In
The Debate With James R. White”. Discover the Truth. 2017.
- ABRAHAMIAN, Ervand. “The US media, Huntington and
September 11”. Carfax Publishing. 2003.
- “George W. Bush 1946 – American Republican statesman, 43rd
President 2001–9”. Oxford Reference. 2017. “This crusade, this war on terrorism
is going to take a while”.
- RIEDEL, Bruce. “9/11 and Iraq: The making of a tragedy”.
Brookings. 2021.
- “Saddam-Al-Qaeda Conspiracy”. Wikipedia.
- MERCHANT, Nooman. “Iraq WMD failures shadow US
intelligence 20 years later”. AP. 2023.
- KARAM, Zeina. ABDUL-ZAHRA, Qassim. “Death and suffering in
Iraq a painful legacy of 9/11 attacks”. AP. 2021.
- NODELL, Bobbi. “Study: Nearly 500,000 perished in Iraq
war”. UW News. 2013.
- “Iraqi Refugee Health Profile”. CDC: Center for Disease
Control and Prevention.
- KESSLER, Glenn. “The Iraq War and WMDs: An intelligence
failure or White House spin?” The Washington Post. 2019.
- POYNTING, Scott. MASON, Victoria. ““Tolerance, Freedom,
Justice and Peace”?: Britain, Australia and AntiMuslim Racism since 11
September 2001”. Routledge. 2006.
- CHALLAND, Bottici. CHALLAND, Benoit. “The Myth of the
Clash of Civilizations”. Routledge Advances in Middle East and Islamic Studies.
2010.
Fonte: https://www.youtube.com/post/UgkxRYRzWWdDWUgwusMmgDlRvXFVMOsz74gc
MEUS
COMENTÁRIOS
Mais um ótimo texto que encontrei na comunidade do You Tube
da página História Islâmica e que eu trago para este blog.
Depois de seis artigos seguidos sobre a questão palestina,
trago um artigo sobre o Iraque e as mentiras que foram criadas ao longo de
vários anos para justificar a destruição da nação mesopotâmica. E uma dessas
muitas mentiras, ventiladas por figuras como Bush II e os ideólogos
neoconservadores de sua administração com vistas a justificar as aventuras
militares de seu governo, é a suposta ligação do regime baathista iraquiano com
a Al Qaeda de Osama Bin Laden. Até insinuaram à época que o Iraque estava
envolvido com os ataques do 11 de setembro de 2001 (sendo que dos 19
terroristas dos atentados em questão, 15 eram sauditas e nenhum deles era
iraquiano).
Entretanto, a mentira da ligação do regime baathista iraquiano com a Al Qaeda não foi a primeira dessas que ao longo de vários anos foram criadas e depois espalhadas aos quatro ventos. Em outras palavras, é apenas a ponta do iceberg das mentiras que se criaram ao longo desse tempo todo.
Pode-se dizer que a acusação lançada em 1988 pelo então
secretário de Estado dos EUA, George Schultz, foi o ponto zero, o momento no
qual o ovo da serpente foi chocado. À época, Schultz, sem apresentar evidência
concreta alguma, acusou Saddam Hussein de utilizar armas químicas contra os
curdos iraquianos no vilarejo de Halabdža. Após a acusação de Schultz, sanções
contra o Iraque foram aprovadas pelo Senado dos EUA. Segundo o professor Ramez Maalouf em uma de
suas colunas publicadas no Correio da Cidadania, “A acusação de Schultz contra Saddam Hussein foi brandida como a grande
prova incomensurável da brutalidade, sadismo e selvageria de como o líder
iraquiano tratava sua própria população. Ela serviu como o mais forte pretexto
para as invasões ianques do Iraque em 1991 e 2003”.
A acusação contra Saddam feita por Schultz logo foi
desmascarada pelo ex-analista da CIA, Stephen Pelletiere, que escreveu um
artigo no qual mostrou que a acusação de Schultz não fazia sentido algum (e os
meios de comunicação ocidentais se omitiram a esse respeito, visto que as
provas que ele apresentou eram irrefutáveis). E que o ataque químico em questão
não foi feito pelo Iraque, e sim pelo Irã, visto que o gás usado neste ataque
era o cianeto, o gás usado pelo Irã na guerra Irã-Iraque, e não o gás mostarda,
o gás usado pelo Iraque na mesma guerra.
Em 1990, com George H. W. Bush, o Bush I, à frente da
Presidência dos Estados Unidos, houve o testemunho de Nayirah, uma garota de 15
anos, a qual acusou em um comitê de direitos humanos do Congresso dos Estados
Unidos o exército iraquiano de promover crimes de guerra durante a invasão ao
Kuwait. E uma dessas atrocidades, descrita por ela aos prantos, é que as tropas
iraquianas invadiam hospitais e retiravam bebês de incubadoras para estes
morrerem no chão frio. O depoimento de Nayirah foi retransmitido para todo o
território dos EUA, além de ter sido amplamente divulgado na imprensa
internacional e por ONGs de direitos humanos.
No fim das contas, o depoimento de Nayirah serviu de pretexto para Bush I, aproveitando-se do vácuo de poder que o enfraquecimento (e posterior esfacelamento) da União Soviética estava deixando sobre a Eurásia, primeiro levantar sanções econômicas ao Iraque ainda em 1990 e um ano mais tarde invadir a nação mesopotâmica por meio da Operação Tempestade do Deserto. E também se revelou uma farsa: depois do fim da Primeira Guerra do Golfo descobriu-se que a história descrita por Nayirah era falsa.
E o buraco era ainda mais embaixo: também se descobriu que o
sobrenome dela é al-Sabah e que ela era filha do embaixador do Kuwait em
Washington, Saud Nasser al-Sabah (que esteve presente na audiência da filha).
Bush I não conseguiu derrubar Saddam Hussein com a Operação
Tempestade do Deserto, e por conta de seu fracasso no Iraque não conseguiu se
reeleger Presidente dos Estados Unidos em 1992, visto que perdeu o pleito
eleitoral daquele ano para o democrata Bill Clinton.
Sob o pretexto de que o Iraque tinha a posse de armas de
destruição em massa, as sanções levantadas por Bush I continuaram sob Clinton. No
período de 1991 a 2003, o Iraque foi submetido a seguidos ataques de mísseis
balísticos lançados a partir de bases norte-americanas no Oriente Médio, como
em 1993, 1994, 1996 (Operação Golpe no deserto), 1998 (Operação Raposa do
Deserto), 1999 e 2002/2003 (Operação Foco Sul), além de sob o pretexto de
proteger os curdos (os quais sob a liderança de grupos como os peshmergas há muito tempo vêm almejando estabelecer no norte
do Iraque um estado à imagem e semelhança de Israel, calcado no exclusivismo
étnico-religioso) e os xiitas de genocídios submeter o país a zonas de exclusão
aérea no norte e no sul.
Data dessa época uma entrevista de Madeleine Albright,
secretária de Estado dos EUA durante o governo Clinton, no qual ela diz que em
nome da mudança de regime em Bagdá as mortes decorrentes das sanções econômicas
impostas ao Iraque valiam a pena.
Em 2000, Saddam Hussein resolveu parar de negociar o petróleo iraquiano com base no dólar, dando preferência a outras moedas como o euro e o rublo. Do outro lado do Atlântico, George W. Bush, o Bush II, vence o democrata Al Gore no pleito presidencial americano.
Bush II, uma vez no poder, também lança seu arsenal de
mentiras e lorotas para justificar a invasão ao Iraque (em conjunto com a
Inglaterra) em 2003. Ele não apenas acusou o Iraque de cumplicidade e
envolvimento com a Al Qaeda, como também de envolvimento com os ataques de 11
de setembro de 2001. Em 2002, inventou a história de que Irã, Iraque e Coréia
do Norte formavam um famigerado “eixo do mal” (um eixo na prática inexistente,
visto que Irã e Iraque, depois de 1979, nunca se entenderam – e nos primeiros
anos após a queda do regime baathista no Iraque, Irã e EUA formaram uma espécie
de condomínio no Iraque), e ainda por cima requentou acusações de posse de
armas de destruição em massa que vinham desde os tempos de Bush I e Clinton e
que ajudaram a justificar sanções econômicas contra a nação mesopotâmica.
Em 2014, o professor Ramez Maalouf publicou em suas colunas no Correio da Cidadania uma série de quatro artigos sobre os mitos difundidos pelos grandes meios de comunicação que ajudaram a destruir o Iraque, e que em última instância abriram o caminho para o surgimento do Estado Islâmico na nação mesopotâmica.
E o mais escabroso a respeito desses mitos é que amplos
setores de esquerda engolem tais mentiras de forma acrítica. E é assim que a Dinastia
Bush (e em menor grau os Clinton também) pôde fazer o que fez com o Iraque
desde 1991.
Essa esquerda, representada no Brasil por partidos como
PSOL, PSTU e outros afins (e até mesmo setores mais à direita dentro do PT),
tem um comportamento, digamos, um tanto quanto peculiar e inusitado. Sempre que
determinado regime, por uma questão de sobrevivência, precisa se fechar e até
mesmo utilizar-se da força contra aqueles que conspiram para sua queda, eles
passam a entoar mantras como “Assad tem que cair”, “fora Maduro”, “abaixo Evo
Morales”, “Kadaffi nunca mais”, “tchau Dilma” e outros afins em nome da
liberdade, dos direitos humanos e da democracia. Apoiam todo e quanto é tipo de
revolução colorida mundo afora, que geralmente termina de forma catastrófica
para o país por ela flagelado.
Em minha humilde opinião, a raiz de tal comportamento por
parte de expressivos setores da esquerda brasileira em tais situações vem do
fato de que, segundo o que Nildo Ouriques aponta em sua obra “O colapso do
figurino francês” (sobre a qual fizemos um resumo dividido em cinco partes aqui mesmo há três anos), essa esquerda, influenciada pelo pensamento uspiano, pensa
determinados fenômenos sociais e políticos a partir de dualidades binárias,
entre elas o “moderno x atrasado” e o “democrático x autoritário”, sem levar em
consideração que tais dualidades na verdade na verdade são partes de unidades
contraditórias, e não elementos estanques entre si.
Dai que quando eles analisam, por exemplo, não apenas as experiências socialistas do século passado como a União Soviética, a República Popular da Mongólia, a República Popular da China, a Coréia do Norte e o Vietnã, como também o Iraque sob Saddam Hussein, a Líbia sob Muammar al-Kadaffi, o Egito sob Gamal Abdel Nasser, a Síria sob os Assad e outras, ficam muito presos à questão de direitos humanos e democracia. É, parafraseando o velho Brizola, uma esquerda que a direita gosta.
Lembremos que o Iraque, no tempo de Saddam Hussein, era um
dos principais apoiadores da causa palestina dentro do mundo árabe. E após a
morte de Nasser, pode-se dizer que o Iraque baathista era o inimigo número 1 de
Israel no Oriente Médio. Também apoiou junto com Kadaffi a revolução sandinista
na Nicarágua, ajudou na formação do Hezbollah ao permitir que membros da Guarda
Revolucionária Iraniana atravessassem o espaço aéreo iraquiano em direção ao
Líbano, em 1982. Posicionou-se a favor da independência de Porto Rico em
relação aos Estados Unidos, e era aliado de Cuba. Entre tantas outras coisas.
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