quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A reabilitação do terrorismo em Israel (texto da página História Islâmica + comentários meus)

“Antes da criação do Estado de Israel em 1948 e o estabelecimento de suas forças armadas oficiais (as Forças de Defesa de Israel, comumente referidas como IDF), os grupos estabelecidos no território da Palestina durante o Mandato Britânico, a partir da década de 1920, haviam criado milícias paramilitares irregulares visando a proteção de seus assentamentos e o enfrentamento de habitantes palestinos e ocupantes britânicos.

A Haganá foi criada em 1920 por membros dos assentamentos judaicos e era adepta do Sionismo Socialista, influenciado pela esquerda e que visava criar um Estado judeu limitado pelo rio Jordão, conforme estabeleciam alguns documentos britânicos. Combinavam ação diplomática e militar.

O Irgun foi fundado em 1931 como dissidência da Haganá. Em 1940, foi fundado o Lehi, uma dissidência do grupo anterior. Ambos eram adeptos do Sionismo Revisionista, que pretendia um Estado judeu abarcando os dois lados do rio Jordão.

O Irgun e Lehi eram nacionalistas radicais, o primeiro de tendência à direita e o segundo de esquerda. O nacionalismo destes dois grupos pregava uma supremacia racial judaica, influenciando o desenvolvimento de uma mentalidade de limpeza étnica contra a população árabe-palestina. Enquanto a Haganá possuía um discurso mais defensivo e antiterrorista, o Irgun e o Lehi defendiam abertamente o terrorismo e a guerra de agressão. Apesar das diferenças de discursos e métodos, os três grupos cooperaram em ações terroristas na década de 1940, sendo seus crimes mais famosos a explosão no King David Hotel, em Jerusalém (1946) e o massacre do povoado palestino de Deir Yassin (1948).

A Haganá, o Irgun e o Lehi foram classificados como grupos terroristas pela administração colonial britânica e pelos grupos palestinos. A classificação do Irgun e Lehi como organizações terroristas também foi feita pela Organização das Nações Unidas, o Congresso Sionista Mundial e o Estado de Israel (inicialmente) bem como órgãos das forças armadas americanas. Alguns famosos intelectuais judeus como Albert Einstein e Hannah Arendt condenaram publicamente o terrorismo praticado pelo Irgun e pelo Lehi.

Após a criação do Estado de Israel em 1948 os grupos paramilitares foram incorporados ao exército regular, as Forças de Defesa de Israel (IDF). A maioria de seus membros foi anistiada após 1949 e muitos participaram da política e foram condecorados. Alguns desses políticos famosos foram primeiros-ministros, como David Ben Gurion (ligado anteriormente à Haganá) entre 1948-1953 e 1955-1962, Menachem Begin (ex-Irgun) entre 1977-1983 e Ytzhak Shamir (ex-Lehi) entre 1983-1984 e 1986-1992.

Como Israel era uma nação jovem, era necessária a consolidação de uma identidade nacional. Além da criação de símbolos como bandeira, brasão e hino nacional, os dirigentes do novo Estado precisavam formar a sua versão da própria história, com a criação de datas comemorativas, monumentos e heróis nacionais. A imprensa e historiografia israelense reescreveram a história da ocupação sionista, ocultando as práticas terroristas e transformando os líderes paramilitares em heróis nacionais. Em 1980, Israel instituiu a “Fita Lehi”, uma condecoração para ex-membros do Lehi e foram criados museus para preservação da memória histórica do Irgun e Lehi.

A mentalidade dos antigos grupos paramilitares – de que os fins justificavam os meios para o estabelecimento do Estado judeu – ainda hoje influencia a mentalidade israelense com a prática de assentamentos ilegais na Cisjordânia, prisões arbitrárias e tortura de palestinos por agentes do Estado de Israel e ataques a alvos civis por parte da IDF.

Bibliografia:

ADERETM Ofer. Assassinations, Terror Attacks and Even Castration - the Hidden Actions of Israel's Pre-state Militia. Haaretz, 13 jun. 2020.

ARAB HIGHER COMMITTE DELEGATION FOR PALESTINE. The Black Paper on the Jewish agency and Zionist Terrorism. Memorandum to the Unites Nations. New York, 1948.

BELL, J. Bowyer. Terror out of Zion: Irgun Zvai Leumi, Lehi, and the Palestine underground, 1929-1949.New York: Avon Books, 1977.

BRAM, Shir Aharon. When the Irgun Decided to Be Judge, Jury and Executioner. The Librarians, 11 jan. 2023. CELIK, Ahmed Husrev. Analysis - Fundamentalist Jewish terror in Palestine dates back more than a century. AA - Anadolu Ajansi, 25 maio 2021.

FISCHER, Louise. An Ambivalent Relationship: Israel and the UN, 1945-1949. France: Ministère de L'Europe et des Affaires Étrangères. HEWITT, Ibrahim. Turning terrorists into 'heroes'. Middle East Monitor. 14 out. 2023.

MORAES, João Quartim. As conexões do sionismo com o colonialismo, o fascismo e o racismo. Tensões Mundiais, v. 5, n. 9, p. 167-191, 2009.

PELED, Miko. Nevers the agressor: Israel is convinced of its own benevolence. Mint Press, 14 maio 2020.

SELLERS, Brandon. The Irgun Zcai Leumi: From Terrorists to Politicians. Schemata, 2013.

SHAWYER, Sarah. Creating a Tradition of Collective Amnesia: The reception of knowledge within the Jewish Chronicle regarding the armed resistance against the British in Mandatory Palestine. University of Southampton. Emergence Volume III: Memory and Myth, 2011.

SHELEG, Yair. The War for Memory. Haaretz, 19 abr. 2007. The Role of Jewish Defense Organizations in Palestine (1903-1948). Jewish Virtual Library.

UNITED NATIONS. Origins and Evolution of the Palestine Problem: 1917-1947 (Part I). 1978.

UNITED NATIONS. Origins and Evolution of the Palestine Problem: 1947-1977 (Part II). 1979”.

Fonte: História Islâmica - YouTube

MEUS COMENTÁRIOS

Este é um texto que encontrei na comunidade do You Tube da página História Islâmica, de Mansur Peixoto, e que trata a respeito dos dias de terrorismo paramilitar dos sionistas de ANTES da fundação do Estado de Israel, em 1948.

Uma das coisas que mais me interessam a respeito da presente questão envolvendo Israel e Palestina é como que essa questão ajuda a alimentar a guerra política que hoje vemos no Brasil entre esquerda e direita (principalmente a direita bolsonarista).

De um lado, vemos setores de esquerda declarar apoio à causa palestina. O PCO (Partido da Causa Operária) está fechado com o Hamas nessa questão, ao passo que outros partidos de esquerda também se manifestam favoráveis à causa palestina.

De outro, vemos a direita, em especial a direita de matiz ideológico bolsonarista, em muito influenciada pelo ideário neoconservador do Partido Republicano dos Estados Unidos (ao passo que em determinados setores da esquerda brasileira também a influência da outra grande agremiação política norte-americana, o Partido Democrata, é clara e nítida) e que tem como seus principais porta-vozes o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (ele mesmo apoiador de Israel de longa data), se mostra simpática à Israel. Nessa onda, também vemos casos de pastores e líderes religiosos como Rodrigo Mocellin e Leandro Ruschel chegando ao ponto de destilar islamofobia barata em vídeos no You Tube (os quais receberam respostas da parte de Mansur Peixoto).

Nessa guerra ideológica entre esquerda e direita neocon a respeito da questão entre Israel e Palestina na esteira da repercussão do ataque de sete de outubro do presente ano, vemos a segunda por todos os meios querer associar a esquerda ao Hamas e ao terrorismo, com vistas a acusar os esquerdistas de cumplicidade com o terrorismo não só do Hamas, como também de outros grupos similares. Ao passo que eles, ao prestarem apoio ao Estado de Israel, é que estão do lado certo da questão. E exemplo disso é a seguinte postagem de Carlos Bolsonaro (vulgo 02), o segundo filho do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro:

Foto – Postagem na comunidade no canal do You Tube de Carlos Bolsonaro, datada de 18 de setembro do presente ano. Percebam a tônica do discurso do segundo filho do ex-presidente Bolsonaro.

O irmão mais novo dele, Eduardo Bolsonaro, o 03, na semana retrasada postou a seguinte mensagem na comunidade do canal dele do You Tube:

“O que seriam dos grupos terroristas sem seus braços políticos, com voz na imprensa, para suavizar seus ataques brutais? Não pense ser coincidência que PT, PSOL, PCdoB e toda escória política chamarem 8/JAN de "terrorismo", mas não usarem esta palavra para se referir ao Hamas e seus comparsas. Quem domina a linguagem controla a narrativa. Não apoie quem apóia matança e sequestro de mulheres, crianças e idosos”.

Foto – Foto de postagem de 03 no You Tube, no qual ele claramente tenta colar a pecha de “cúmplices do terrorismo” na esquerda brasileira.

E o curioso é que há uma foto de 2016 na qual tanto 02 quanto 03 estão andando pelas ruas de Israel com camisas do Mossad e do IDF.


Foto – Carlos Bolsonaro (esquerda) e Eduardo Bolsonaro (direita) andando pelas ruas de Israel com camisas da IDF e do Mossad. Foto de 2016.

Vejam só o grande paradoxo. Carluxo e Dudu Bananinha acusam partidos de esquerda como o PT, o PSOL, o PCdoB e outros de defender o Hamas e até de serem “irmãos de almas”. Isso ao mesmo tempo em que ele e o irmão mais novo dele já foram fotografados nas ruas de Israel trajando a camisa de órgãos de inteligência que foram formados a partir dos grupos terroristas que atuavam na Palestina sob o mandato britânico, tais como o Haganah, o Irgun, o Stern, o Lehi e o Palmach. Grupos esses que foram inclusive considerados como terroristas pelo governo britânico na época de atividade deles. Se isso não é um verdadeiro soco nos nossos estômagos, não sei mais o que é.

E os paradoxos não param por ai. Vocês se lembram da carta que em 2014, durante a crise na Faixa de Gaza daquele ano, que o então deputado federal pelo PP Jair Messias Bolsonaro enviou ao embaixador de Israel no Brasil, fazendo um pedido de desculpas a Israel em nome do povo brasileiro por conta das atitudes da então Presidente?

Foto – Carta de Jair Messias Bolsonaro ao embaixador de Israel de 2014.

Pois bem. O que impressiona a respeito dessa carta é que Bolsonaro começa falando sobre o passado da então presidente Dilma Vana Rousseff como membra de grupos como o VAR-Palmares e o Colina ao embaixador de Israel no período de 1964 a 1985. Logo ao embaixador de uma nação que foi forjada sob o signo do terrorismo paramilitar e que cujos primeiros premiês foram membros de grupos terroristas como o Haganah, o Lehi, o Stern, o Palmach e o Irgun.

Vide o caso do já citado David Ben Gurion, egresso do Haganah e premiê de Israel entre 1948 a 1953 e de 1955 a 1962. Ou seja, Ben Gurion foi premiê de Israel em uma época na qual o Partido dos Trabalhadores nem sonhava em existir. Alguns dos membros do PT (tanto atuais quanto históricos, incluindo aqueles que participaram da luta armada no período de 1964 a 1985 e que chegaram a fazer treinamento de guerrilha em Cuba à época, entre eles José Genoíno e José Dirceu) inclusive nem eram nascidos à época, ou eram muito pequenos.

O que mostra que o processo que Mansur Peixoto em postagem anterior no mesmo canal chamou de “transformação de terroristas em políticos oficiais” em Israel antecede em 31 anos à fundação do PT, em 54 anos à primeira eleição de Lula e em 63 anos à chegada de Dilma Rousseff ao poder no Brasil.

Também digno de nota é o fato de que naquele mesmo ano Jair Bolsonaro travou um bate-boca com Jandira Feghali, deputada federal do PCdoB pelo estado do Rio de Janeiro, envolvendo a questão palestina. No qual Bolsonaro respondeu às posições pró-Palestina de Feghali com palavras de ordem como “chega de terrorismo” e “comunismo matou milhões”.

Voltando mais alguns anos no passado, o mesmo Bolsonaro nos idos de 2009 e 2010 se posicionou contra a presença de Cesare Battisti em solo brasileiro por conta do passado dele como membro do PAC (Proletários Armados pelo terrorismo), durante os anos de chumbo da Itália e os quatro crimes atribuídos a ele (os quais ele veio a admitir após ser preso e extraditado de volta à Itália). 

E que na mesma época também dizia que a mesma Dilma não poderia ter sido presidente da República por conta de seu passado como membra de grupos de luta armada no período entre 1964 a 1985 (até chegou a fazer uma leitura da ficha de Dilma na época da ditadura civil-militar brasileira). 

Por essa mesma lógica, muitos dos primeiros premiês de Israel, entre eles David Ben Gurion, Itzhak Šamir e Menachem Begin, não poderiam ter ocupado os cargos que ocuparam em vida por conta do passado deles como membros de organizações paramilitares como o Irgun, o Lehi e o Haganah.

Foto – 01, 02 e 03 em Israel. Vejam a bandeira israelense atrás deles. Foto de 2016.

E voltando ao Carluxo. Segundo notícias do ano retrasado, Carluxo andou procurando equipamentos israelenses para fins de espionagem de rivais políticos, tanto dentro quanto fora do governo comandado por seu pai. Entre eles os programas Pegasus (da desenvolvedora NSO Group) e Sherlock. O primeiro é voltado para hackear celulares, ao passo que o segundo serve para espionagem de computadores e laptops.

Com o primeiro, Carluxo iria criar uma espécie de Abin paralela, a qual por sua vez seria alimentada com informações externas extraídas de computadores e laptops não apenas de rivais políticos, como também de jornalistas, ativistas e outros desafetos políticos dele. Já com o segundo Carluxo pretendia monitorar o governo de dentro.

No fim das contas, o clã Bolsonaro, o mesmo clã Bolsonaro sobre o qual pairam suspeitas de ligações com as milícias do Rio de Janeiro, vive acusando a esquerda de ser favorável ao Hamas e outros grupos afins, de ser cúmplice com o terrorismo desses grupos, mas eles pelo visto também têm os terroristas de estimação deles. Em outras palavras, aqueles que para eles são os “terroristas do bem”.

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