segunda-feira, 11 de setembro de 2023

As imprecisões de Mansur Peixoto: Poitiers, Lepanto e a lenda negra espanhola

 

Foto – Mansur Peixoto.

Em 22 de agosto de 2023, Mansur Peixoto, dono do site e do canal do You Tube História Islâmica, postou um vídeo no qual responde a algumas assertivas do vídeo sobre as cruzadas do canal Impérios AD, do professor Thiago Braga, e datado de 6 de outubro de 2019. O mesmo Thiago Braga com o qual Mansur Peixoto travou uma polêmica no começo do ano, em um debate que girou em torno dos temas conquista islâmica da Ibéria e os anos de domínio islâmico sobre a maior parte da Ibéria.

Assim como em outro vídeo anterior, Mansur Peixoto rechaça a ideia de que as Cruzadas salvaram a Europa de ser conquistada por hostes islâmicas. Assino embaixo com ele nesse ponto, visto que no século XI, como ele mesmo disse várias vezes, o poder islâmico na Europa estava em uma situação de recuo: após quase uma centúria de existência o emirado do Fraxinetum no sul da França foi riscado do mapa após a vitória dos provençais lideradas por Guilherme I de Provença sobre os sarracenos na batalha de Tourtour, em 973 (ou seja, mais de 100 anos antes da convocação da Primeira Cruzada, em 1095); os normandos tomaram os reinos advindos da fragmentação do emirado da Sicília entre 1061 e 1091; e na Ibéria o califado de Córdoba se fragmentou nos reinos taifa em 1031, com os reinos cristãos se aproveitando da situação para avançar e tomar praças fortes até então sob o domínio islâmico, a exemplo de Toledo, capital do reino visigótico eliminado pelos mouros no século VIII, em 1085.

E não apenas isso: os enfrentamentos entre muçulmanos e cristãos nas cruzadas em sua maioria se deram no Oriente Médio, na região entre a Palestina e o Levante. Houve sim cruzadas que tiveram lugar na Europa, mas a maioria delas não foi direcionada contra poderes islâmicos, e sim contra outros cristãos, como no caso da Cruzada Albigense na França entre 1209 a 1244 contra a seita dos cátaros e a Quarta Cruzada contra o Império Bizantino (que terminou com o saque de Constantinopla, em 1204), assim como as cruzadas do Norte contra os povos pagãos da região do Mar Báltico levadas a cabo por ordens militares como os Cavaleiros Teutônicos e Livonianos. Durante anos a Lituânia, nos primórdios de sua história, teve que enfrentá-los, e várias vezes eles tentaram invadir as terras russas, entre elas a República de Novgorod.

Antes mesmo da vinda dos mongóis às terras russas pelo leste os cruzados ocidentais, uma vez estabelecidos nas atuais Estônia e Letônia, já vinham promovendo suas invasões sobre principados russos do norte como a República de Novgorod e Pskov (vide cruzadas suecas ainda no século XII e enfrentamentos em Tartu em 1215 e 1224 contra a Ordem dos Irmãos Livonianos da Espada).

O grão-príncipe Alexandre Nevskij os venceu duas vezes: venceu os suecos na batalha do rio Neva (tratada próxima à atual São Petersburgo) em 1240 e os cavaleiros livonianos em 1242, na batalha do lago Čudskoe (também conhecida como a batalha sobre o gelo). No período soviético, mais precisamente em 1938, um filme a respeito da vida de Alexandre Nevskij foi produzido sob a direção de Sergej Eisenstein e com o compositor Sergej Prokofiev à frente da trilha sonora. Este filme foi produzido no contexto da iminente invasão nazista à União Soviética, e dá ênfase especial ao episódio da batalha de 1242.

Outros ataques de cavaleiros ocidentais contra Novgorod e outros principados russos do norte se seguiram nos anos seguintes, como em 1262 (segundo cerco de Juriev – atual Tartu, Estônia) e 1268 (batalha de Rakovor). E isso em parte ajudou a levar o príncipe de Novgorod Alexandre Nevskij a buscar uma aliança com a Horda Dourada (um dos quatro khanatos que emergiram com a fragmentação do Império Mongol a partir de 1260), visto que esta se limitava a cobrar tributos dos principados russos e não estabeleceu ocupação direita sobre as terras russas.

Foto – Batalha do Lago Čudskoe, 1242. Miniatura da crônica ilustrada de Ivã o Terrível, segunda metade do século XVI.

Também concordo com ele que por vezes se atribui um significado um tanto quanto exagerado a batalhas como Poitiers, Lepanto e os dois cercos turcos a Viena. Não dá para saber ao certo se as hostes islâmicas dariam continuidade à marcha conquistadora (quer seja por uma questão de limite logístico, quer seja por uma eventual derrota em enfrentamentos posteriores) caso as batalhas em questão fossem por elas vencidas. Porém, com algumas ressalvas, visto que dentro dos enfrentamentos entre potentados islâmicos e cristãos ao longo de séculos ainda assim elas tiveram sua importância.

Foto – Batalha de Poitiers (732), por Charles de Steuben (1788 – 1856).

A respeito da batalha de Potieirs, ocorrida em 732 entre as hostes do califado Omíada e do reino franco sob a liderança de Carlos Martel, diz Mansur Peixoto (citando outros historiadores) que a força invasora não tinha a intenção de conquistar o Reino Franco, e sim de pilhar e saquear as áreas ao norte dos Pirineus. E a despeito das derrotas para os francos, chegaram a estabelecer domínio sobre algumas regiões do sul da França, em especial sobre a região da Septimânia (onde se encontra cidades como Narbonne, Perpignan e Carcassone). Até 737 mantiveram controle sobre Avignon e Nimes (quando ambas as cidades foram tomadas por Carlos Martel em dois cercos), e apenas em 759 que os muçulmanos viriam a ser expulsos da Septimânia com a tomada de Narbonne.

O que Mansur Peixoto não percebe é o seguinte. Nas invasões à Gália as hostes islâmicas chegaram ao norte até Autun e Sens em 725 e até o vale do Loire em 732. Ou seja, avançaram até o coração da França. Chegaram a pontos não muito distantes de Paris (Sens está a 120 quilômetros ao sul da capital francesa). No que constituíram os avanços mais ao norte de hostes islâmicas sob o Califado Omíada (661 – 750).

Mesmo que a hoste islâmica vencida na batalha de Poitiers tenha tido a intenção de pilhar a Gália, e não conquistá-la (quer seja para estabelecer um domínio direto e estabelecer guarnições nas cidades francesas, quer seja para estabelecer uma vassalagem tributária sobre as regiões ao norte dos Pirineus), quem não me garante que uma vez vitoriosa e percebendo a fraqueza do Reino Franco não iria em seguida organizar de fato uma campanha de conquista do mesmo?

Foto – Mapa da marcha da invasão islâmica à Gália nos anos 720 e 730.

Na história da Rússia há um episódio similar, ocorrido nos anos de 1571 e 1572, durante o reinado de Ivan IV o Terrível. De tempos em tempos o khanato da Criméia (um dos estados sucessores da Horda Dourada que surgiu na metade do século XV, cuja capital era a cidade de Bakhčisaray) promovia incursões de pilhagem e de captura de cativos (os quais por sua vez eram enviados ao porto de Kaffa [atual Feodosija] na Criméia e de lá vendidos como escravos a outros pontos do Império Otomano) sobre as terras russas e até mesmo sobre a Polônia-Lituânia. Um desses vários ataques teve lugar em 1571 (ou seja, no mesmo ano da batalha de Lepanto no Mar Mediterrâneo), no qual uma hoste tártara pilhou e incendiou Moscou.

Embalados pelo sucesso no ano anterior e se aproveitando do fato de que as fronteiras meridionais da Rússia estavam desprotegidas por esta estar ocupada com a guerra da Livônia contra a Suécia no Báltico, os tártaros voltaram no ano seguinte com a intenção de conquistar a Rússia Moscovita (que anos antes, mais precisamente entre 1552 e 1556, tomou os khanatos islâmicos da bacia do Rio Volga – Kazan e Astrakhan, algo que repercutiu bem negativamente no mundo turco; além disso, fez malograr a tentativa turco-tártara de tomar Astrakhan em 1569) e reestabelecer o jugo tributário exercido pela Horda Dourada até 1480 sobre as terras russas.

Uma hoste de cerca de 40 mil a 60 mil homens (incluindo janízaros fornecidos pela Sublime Porta) foi enviada à Rússia. Só que dessa vez os russos, com um exército de cerca de 23 a 25 mil homens, se preparam para a nova invasão e ao contrário do ano anterior, venceram os tártaros da Crimeia na batalha de Molodi, travada entre 29 de julho e três de agosto em um ponto a cerca de 50 quilômetros ao sul de Moscou. Sob a liderança dos príncipes Mikhail Vorotynskij e Dmitrij Khvorostinin, os russos utilizaram com grande eficácia a artilharia e as fortalezas móveis guljaj gorod (cirílico гуляй город) neutralizaram a retaguarda adversária. O khan da Criméia, Devlet I Giray, que esteve pessoalmente presente no campo de batalha, perdeu nessa batalha os filhos, o neto e o genro e fugiu do campo de batalha para não ser morto.

A vitória sobre a hoste turco-tártara em Molodi foi tão severa tanto para Constantinopla quanto para Bakhčisaray, visto que depois disso nunca mais planejaram conquistar a Rússia. A influência outrora exercida por Constantinopla e seu vassalo peninsular sobre a bacia do rio do Volga igualmente foi rompida. Para Moscou a vitória em Molodi igualmente teve grande importância geopolítica, visto que permitiu a manutenção e a defesa dos feitos dos 100 anos anteriores, tais como independência, unidade e controle sobre Kazan e Astrakhan. Nos anos e séculos seguintes, a Rússia tornar-se-ia um dos principais adversários do Império Otomano e tomou da Sublime Porta regiões como a Criméia e as áreas ao norte do Mar Negro durante o reinado de Catarina a Grande (r. 1762 – 1796) e a Bessarábia (atual Moldávia) em 1812, já no reinado de Alexandre I (r. 1801 – 1825).

Foto – Pedra fundamental em memória da Batalha de Molodi, na cidade homônima situada na oblast de Moscou.

Além disso, outra afirmação um tanto quanto problemática da parte dele foi dizer a batalha de Poitiers não parou o avanço islâmico sobre a Gália visto que anos mais tarde, mais precisamente em 889, na região da Provença, foi estabelecido o emirado do Fraxinetum por um grupo de piratas e aventureiros vindos do califado de Córdoba.

Só que entre a batalha de Poitiers e o estabelecimento do Fraxinetum passaram-se 157 anos. E entre a retirada islâmica da região da Septimânia (759) e o estabelecimento do Fraxinetum, passaram-se 130 anos.

E que no meio desses eventos houve o Império de Carlos Magno, que não só manteve relações com o Califado Abássida, como também avançou sobre território islâmico na Ibéria (vide a famosa batalha de Roncesvales, ocorrida em 778, na qual a retaguarda do exército franco foi dizimada pelos bascos e que serviu de inspiração para o épico medieval A Canção de Rolando) e lá estabeleceu a Marca Hispânica no que hoje é a região da Catalunha no nordeste da Espanha. Marca essa que serviu de embrião para o surgimento do reino de Aragão, um dos reinos que séculos mais tarde desempenhou papel significativo não apenas no processo da Reconquista, como também da formação do Estado nacional espanhol, com o casamento de Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os reis católicos, em 1469.

O estabelecimento do Fraxinetum se dá em uma época em que o poder central no Reino Franco (dividido em 843 em três partes por meio do Tratado de Verdun) estava bem enfraquecido, e dessa forma este passou a ser alvo de invasões não só de piratas sarracenos pela costa sul, como também de piratas normandos (também chamados de vikings) nas regiões costeiras e mesmo no interior (Paris foi duas vezes atacadas por bandos vikings) e de magiares no leste. Dessa forma, a autoridade central do reino franco já não podia mais responder com a mesma eficácia de antes às investidas.

Sob o Fraxinetum as hostes islâmicas avançaram a regiões antes intocadas por elas, entre elas o Piemonte no noroeste da Itália e o mosteiro de San Gallo na Suíça. Só que nenhuma das incursões islâmicas pós-Poitiers chegou tão ao norte na França quanto, visto que estes se limitaram a incursionar sobre regiões do sul da França. Ou seja, depois de Poitiers o expansionismo islâmico sobre a Gália nunca mais se repetiu com o mesmo ímpeto de antes, a ponto de exercer uma séria ameaça à existência do reino franco enquanto entidade política.

As invasões de piratas sarracenos sobre o sul da França e outras partes do Mediterrâneo ocidental continuam até a primeira metade do século XIX, e só após a conquista francesa da Argélia em 1830 que ela chega ao fim.

Foto – Batalha de Lepanto (1571), por Giorgio Vasari (1511 – 1574).

Sobre Lepanto, ele diz que depois da batalha de Lepanto houve avanços das hostes do Império Otomano sobre partes da Europa e do norte da África, incluindo a retomada da Tunísia em 1574 e ataques de corsários a serviço da Sublime Porta às áreas costeiras da Itália, da França, da Espanha, da Inglaterra, da Irlanda, da Suécia e até da Islândia nos séculos XVII e XVIII (vide o ataque à Islândia em 1627).

É fato que o poder otomano sobre a Europa só vai sofrer perdas expressivas a partir da segunda metade do século XVII, em decorrência da derrota no segundo cerco à Viena e a subsequente conquista austríaca da Hungria, Croácia, Transilvânia e Eslavônia nos anos 1690, ratificada por meio do Tratado de Karlowitz (1699). Entretanto, a despeito desses avanços islâmicos posteriores, a batalha de Lepanto, além de confirmar a divisão do Mediterrâneo em uma esfera oriental sob o controle otomano e uma metade ocidental sob o controle dos Habsburgos e seus aliados italianos, também exerceu importante impacto psicológico, ao mostrar que os turcos, antes imparáveis, podiam ser derrotados pelos poderes cristãos europeus.

Foto – Enfrentamento entre Aleksandr Peresvet, campeão da hoste russa, e Čelubej, campeão da hoste tártara, durante a batalha do campo de Kulikovo (1380). Por Viktor Mikhailovič Vasnecov (1848 – 1926).

Na história da Rússia há outro episódio similar: em 1380, os russos sob a liderança de Dmitrij Donskoj vencem as hostes tártaras, sob a liderança do general Mamaj, à época o homem-forte da Horda Dourada, na batalha do campo de Kulikovo. Dois anos depois, Tokhtamyš, à época apoiado por Tamerlão, reimpõe o jugo tártaro às terras russas ao invadir e pilhar cidades como Moscou e outras. Após a guerra contra Tamerlão, a Horda Dourada, sob a liderança de Temur Khutlug e Edigu, venceu a Lituânia na batalha do rio Vorskla em 1399 e após a vitória contra os lituanos sitiou Kiev (à época sob o domínio polaco-lituano) no mesmo ano.

Em 1408 o emir Edigu voltou a invadir as terras russas (Moscou inclusa) em 1408. Edigu também sitiou e pilhou Kiev em 1416. Depois de 1416 outras incursões punitivas tártaras vindas da Horda Dourada (à época às voltas com o processo de fragmentação territorial que levou à sua destruição final em 1502) seriam lançadas contra as terras russas até 1472 (vide batalha em Aleksin), a maioria delas sem o mesmo sucesso de antes.

Dessa forma, a batalha de Kulikovo não colocou fim ao jugo tributário tártaro-mongol sobre as terras russas, mas ainda assim exerceu efeito psicológico importante ao mostrar aos russos (sob a liderança do Principado de Moscou) que sim, eles eram sim capazes de vencer os tártaros no campo de batalha. Apenas em 1480 que o jugo da Horda Dourada sobre as terras russas chegaria ao fim. Sob a liderança do grão-príncipe de Moscou Ivan III o Grande (o qual se casou em segundas núpcias com Sofia Paleóloga, sobrinha do último imperador bizantino), os russos venceram os já bem enfraquecidos tártaros na grande espera sobre o Rio Ugra. E ainda assim, mesmo após a espera sobre o Rio Ugra, a Rússia teve que lidar com as incursões de pilhagem tártaras vindas do khanato da Criméia até a segunda metade do século XVIII. Até Catarina a Grande destruir o khanato da Criméia em 1783.

E por último, a parte mais importante. Voltando ao debate anterior dele com Thiago Braga em torno do tema Al-Andalus e a conquista islâmica da Ibéria na primeira metade do século VIII.

A meu ver a questão principal em torno desse tema sobre a qual nenhum dos dois falou não é se Al-Andalus, em especial a Al-Andalus do período de maior poderio e esplendor, no caso a Al-Andalus do período omíada (756 – 1031; emirado até 929, em seguida califado), era ou não era o paraíso romantizado que é apresentado ou se era ou não um lugar opressivo onde cristãos e judeus eram perseguidos.

Se lá tinha ou não tinha conflitos e contradições internas, as quais inclusive levaram ao estilhaçamento do califado de Córdoba nos reinos de taifa em 1031 e o posterior e gradativo deslocamento da balança de poder na Ibéria do sul islâmico para o norte cristão a partir desta data (diga-se de passagem, é interessante notar que o califado de Córdoba foi reduzido a farelo e escombros menos de 30 anos após a morte do comandante militar Al-Mansur, notório por suas numerosas campanhas vitoriosas contra os reinos cristãos do norte no final do século X – vide o ataque a Santiago de Compostela de 997, no qual os sinos da Igreja foram tirados da Igreja de Compostela e em seguida enviados a Córdoba nos ombros de prisioneiros cristãos, e só sendo enviados de volta à Compostela com a conquista de Córdoba pelos cristãos em 1236).

A questão é como que essa questão da Al-Andalus romantizada entra na lenda negra espanhola. Em outras palavras, como que a Al-Andalus das três culturas e idealizada como um período no qual judeus, muçulmanos e cristãos conviviam de maneira harmoniosa e pacífica (sem levar em conta que a história do poder islâmico na Ibéria se estendeu por quase 800 anos e que nesse ínterim mudanças dinásticas ocorreram, e que a Al-Andalus do século XV não é a coisa que a Al-Andalus do século VIII ou do X) e, dentro de uma visão liberal anacrônica que não leva em consideração as particularidades e especificidades daquele período, sendo tratada e apresentada como se fosse um paraíso multicultural e um oásis de tolerância religiosa no mundo medieval (sendo que a própria história da experiência islâmica na Ibéria registra episódios de perseguições religiosas, vide o motim de Granada de 1066 e as perseguições contra cristãos e judeus nos períodos almorávida e almoada), alimenta a lenda negra espanhola.

Foto – Estátua de Al-Mansur, comandante militar e homem forte do califado de Córdoba (c. 939 – 1002) no final do século X e começo do século XI, em Algericas. Erguida em 2002 por conta dos mil anos de seu falecimento.

Para quem não sabe, a lenda negra espanhola é um mito criado por holandeses e ingleses na sequência da conquista espanhola das Américas no século XVI. Um mito que na Holanda surge no contexto da luta de libertação da Holanda do jugo espanhol, a chamada Guerra dos oitenta anos (1568 – 1648), e na Inglaterra no contexto do rompimento da Inglaterra com o Papa de Roma em decorrência da reforma anglicana do reinado de Henrique VIII e as guerras entre ingleses e espanhóis nos séculos XVI e XVII (vide o episódio da invencível armada de 1588, destroçada por uma tempestade marítima).

Para criar este mito, os holandeses e ingleses se utilizaram da obra do frei e cronista espanhol Bartolomé de las Casas, “O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias ocidentais” e a traduziram. A Lenda Negra criada por holandeses e ingleses a partir do século XVI e que gira em torno principalmente de dois temas: a Inquisição Espanhola e a Conquista da América. Mito esse que, com o passar do tempo, logrou criar uma imagem bem negativa não só da Espanha como também de Portugal e quem vem sendo replicado em diversos meios, e sem que a devida crítica seja feita.

Foto – Bartolomé de Las Casas (1484 – 1566).

E as consequências da lenda negra (ou se preferirem, das lendas negras) que surgiu a partir do século XVI chegam até os dias de hoje. Dentro da política espanhola hodierna, a lenda negra não só ajuda a alimentar o separatismo em regiões como a Catalunha e o País Basco, como também ajuda a criar um fosso entre a Espanha e suas ex-colônias americanas. E em última análise, alimentam nos países sul-americanos não apenas depredações de monumentos a personagens ligados ao passado colonial espanhol (vide casos o ocorrido na cidade chilena de La Serena em 2019), como também separatismo mapuche em países como a Argentina e o Chile. E é essa a tônica da lenda negra que pode ser vista, por exemplo, na ideologia indigenista que o pessoal do IELA (Instituto de Estudos Latinos Americanos) parece professar aqui no Brasil.

No caso brasileiro, lendas negras em torno da colonização portuguesa sobre a América Portuguesa ajudam não só a alimentar o ranço idiota e estúpido que muitos brasileiros têm para com Portugal (a ponto de achar que teria sido melhor para o desenvolvimento ulterior do país uma colonização inglesa, holandesa ou mesmo francesa), como também separatismo indígena em várias partes do país (vide a questão da atuação de ONGs internacionais na Amazônia) e episódios lamentáveis como depredações e queimas de estátuas como a de Borba Gato e a de Pedro Álvares Cabral.

O fato é que por vezes Al-Andalus é apresentada como se fosse uma espécie de paraíso perdido, um oásis de tolerância no mundo medieval no qual havia a convivência entre três culturas, como se fosse a antítese da Espanha intolerante, violenta e truculenta por natureza (sendo que aqueles que criaram a Lenda Negra também promoveram ferozes perseguições contra católicos que se mantiveram fiéis a Roma e queimaram bruxas a rodo).

Uma deputada do partido espanhol Podemos, Isabel Franco, em 2021 disse que em Al-Andalus havia a convivência entre judeus, muçulmanos e cristãos e que a monarquia espanhola promoveu uma invasão, um genocídio e uma ocultação. 

Sendo que a mesma Al-Andalus foi estabelecida por meio de uma invasão que destruiu o poder visigótico na Ibéria (que por sua vez também entraram na mesma Ibéria como conquistadores no século V desalojando os romanos). E que Al-Andalus, antes de tudo, foi destruída por conta de suas contradições e conflitos internos cujos soberanos não souberam administrar, a começar pela fitna (guerra civil) no Califado de Córdoba a partir de 1009 que leva à ruína do mesmo e ao surgimento dos reinos taifas. Os reis católicos espanhóis apenas deram o golpe de misericórdia que no que restava do combalido poder islâmico na Ibéria em 1492, quando tomaram a cidade de Granada. Da mesma forma que Odoacro fez o mesmo com o Império Romano do Ocidente em 476 ao tomar Roma e o sultão Mehmet II fez o mesmo com o Império Romano do Oriente ao tomar Constantinopla (atual Istanbul) em 1453.

Ou seja, pode-se dizer que nesse ponto a visão romantizada sobre Al-Andalus é usada por alguns políticos espanhóis como forma de justificar agendas como uma abertura ainda maior do país à imigração vinda de fora da Europa e implantação de agenda multiculturalista e politicamente correta em solo espanhol.

A ideia é clara: pintar as nações ibéricas nas piores cores possíveis e mostrar que elas, de nascença (ou seja, no processo de formação das monarquias ibéricas), já eram uma coisa ruim por natureza. Como se fossem uma espécie de Galactus que destrói tudo por onde passa, deixando para trás nada além de destruição, desolação e iniquidade.

O fato é que do ponto de vista político a lenda negra age como se fosse uma espécie de punhal a ser fincado no ventre das nações ibéricas. Se a Espanha vem aceitando passivamente há tempos a história que ingleses e holandeses criaram sobre o período de maior poderio e esplendor dela, não será nenhuma surpresa se daqui um tempo aceitar passivamente que o país se fragmente em vários pedaços e a Catalunha, o País Basco, a Andaluzia, a Galiza e outras regiões formem suas taifas.  Ou mesmo a Argentina e o Chile aceitarem passivamente que a Patagônia e a Terra do Fogo se tornem um grande Mapuchistão e o Brasil aceite passivamente a perda da Amazônia para as ONGs internacionais que lá atuam, sob o pretexto da proteção e da preservação étnica e cultural das populações indígenas que lá vivem.

Fontes:

A lenda negra da conquista espanhola. Disponível em: A Lenda Negra da Conquista Espanhola: Ingrediente do Imperialismo Cultural Anglo-Americano | Nova Resistência (novaresistencia.org)

Битва при Молодях (em russo). Disponível em: Битва при Молодях — Википедия (wikipedia.org)

Leyenda Negra. Disponível em: Leyenda Negra - Curiosidades - InfoEscola

Leyenda Negra e Leyenda Branca. Disponível em: Leyenda Negra e Leyenda Branca | ANPHLAC

Capitulos para una historia mentida (X): Otros mitos de la leyenda negra (em espanhol). Disponível em: Capítulos para una historia mentida (X): Otros mitos de la Leyenda Negra (linkedin.com)

Осада Киева (1399 – em russo). Disponível em: Осада Киева (1399) — Википедия (wikipedia.org)

Северные крестовые походы (em russo). Disponível em: Северные крестовые походы — Википедия (wikipedia.org)

Ukrainian nationalism and his roots (em inglês). Disponível em: Ukrainian nationalism – its roots and nature | The Vineyard of the Saker

Um comentário:

  1. Ao menos, ainda bem que o Brasil não foi conquistado pelos muçulmanos, ou ia ser ruim ter que conviver com jihadistas querendo destruir os templos cristãos. Já pensou se um deles resolve jogar um avião contra o Cristo Redentor?

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