quarta-feira, 24 de junho de 2020

Petucanismo: o PSDB dentro do PT. Ou as limitações ideológicas do PT, parte II (resumo do livro "O colapso do figurino francês", de Nildo Ouriques,1/5)



Foto – Petucanismo.
Dando continuidade à minha série de resumos sobre a temática do petucanismo, trago aqui um resumo que fiz do livro “O colapso do figurino francês: crítica às ciências sociais no Brasil”, de Nildo Ouriques, reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e presidente do IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos). Depois de trabalhar com “A classe média no espelho”, de Jessé Souza (que em momento algum cita o termo petucanismo em suas obras, muito embora dedique boa parte de seus livros à questão das similaridades ideológicas entre a esquerda e a direita brasileira de modo geral, sem ficar preso a determinadas legendas partidárias em específico), resolvi fazer o mesmo com o livro de Nildo Ouriques, tendo em vista que ele, junto com Gilberto Felisberto Vasconcellos, que é um dos principais usuários do termo petucanismo. O livro em questão foi escrito em 2015, e dessa forma vocês não o verão falar nada sobre bolsonarismo e outros fenômenos políticos mais recentes da política brasileira.
- Segundo Paulo Arantes, a experiência filosófica da USP era uma espécie de “departamento francês de ultramar” (francês département français d’outre-mer). Durante décadas, a missão francesa reproduziu considerável dose de colonialismo como se fosse um grito de emancipação intelectual (página 19).
- Segundo Gilda de Melo e Souza, o ambiente acadêmico uspiano em seus primórdios era uma espécie de enclave francês em terras brasileiras. A tal ponto que a música francesa era por lá muito popular (página 20).
- Inicialmente limitado ao ensino de filosofia, o figurino francês se expandiu para todas as áreas de conhecimento da USP. Com o passar do tempo, valendo-se da posição no centro econômico do país, seu padrão tornou-se exemplo para todo o Brasil tão rapidamente quanto a consolidação do sistema de pós-graduação nacional permitiu (página 21).
Reflexão I – Obviamente que o “figurino francês” de que Nildo Ouriques fala se alimenta de toda uma tradição de influência cultural francesa pré-existente dentro da sociedade brasileira, que remonta aos primórdios da história brasileira, foi muito forte no século XIX e primeira metade do século XX e que as altas classes da época usavam como um sinal de distinção social em relação ao “populacho” (o que mostra que já naquela época tais estamentos já agiam como uma espécie de Bélgica no Congo, uma Holanda no Suriname ou uma França no Haiti, com uma visão de mundo de costas para o Brasil profundo e de frente para a Europa, em especial para Londres e Paris). Tal influência pode ser notada em várias construções arquitetônicas em estilo art nouveau ou art decot, reformas urbanísticas baseadas na reforma feita pelo barão Haussmann em Paris (como a feita no Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos nos anos 1900), lojas comerciais com nomes em francês, entre outras manifestações. Ou seja, o dito “figurino francês“ não surgiu do nada.
Reflexão II – A partir de meados do século XX, a influência cultural francesa no Brasil perde terreno e é suplantada pela influência cultural estadunidense. O fato é que enquanto tivermos uma classe dominante e alta classe média que pensam que são europeus, americanos e japoneses perdidos nos trópicos e não houver uma afirmação do legal cultural íbero-afro-indígena, potências hegemônicas vêm e vão e tal situação repetir-se-á como um círculo vicioso ad eternum. Se daqui um tempo a China suplantar os EUA em tal posição, nossas elites vão começar a sonhar com Pequim, Šanghaj, Kaifeng, Hong Kong, os templos Šaolin e Wudang, entre outros lugares do antigo Império do Meio e a se acharem como chineses perdidos nos trópicos. E se depois de um tempo suponhamos que a Índia suplante a China em tal posição. Vão começar a sonhar com Varanasi, Nova Délhi, Bangalore, Bombaim, Boliwood, Ranthambore e outros lugares da Índia. E assim sucessivamente. Culturalmente, o Brasil continuará a ser como uma criatura sem uma coluna vertebral que o sustente e que vive de acordo com as modas vindas de fora.
Reflexão III – No dia 15 de fevereiro de 2019, Marcel van Hattem, deputado federal eleito pelo partido NOVO, soltou a seguinte pérola: que o Brasil é pobre por sua colonização ibero-católica, ao contrário do norte da Europa, que a partir do século XVI aderiram à reforma protestante e suas várias vertentes (https://salveroma.com/2019/02/18/marcel-van-hattem-defende-que-brasil-e-pobre-por-sua-colonizacao-ibero-catolica-diferente-dos-paises-nordicos-protestantes/?fbclid=IwAR2TZBFwHRbwR44QXZIKir2w49450qA-9X91NQs34T4zyeyUeyq5dYUNWsI). Já foi citado por aqui várias vezes que a colonização portuguesa tem sido culpada pelo atraso do Brasil em relação às grandes potências desde o século XIX, com o contexto geopolítico internacional que surgiu a partir da Revolução Industrial criando um clima favorável para o surgimento de tais ideias e concepções errôneas. E pelo visto o batavo Van Hattem, um dos partidários mais ardorosos do Escola sem Partido, não leva em consideração que a calvinista Holanda deixou para trás países miseráveis como Suriname e Indonésia. Isso para não falar do fracasso que foi o Brasil holandês no século XVII.

Nenhum comentário:

Postar um comentário