segunda-feira, 29 de maio de 2017

O atentado em Manchester e a Líbia hoje.


Foto – A profecia de Kadaffi, 2011.
Terça feira, dia 23 de maio de 2017, teve lugar em Manchester um atentado suicida ao final de um show da cantora norte-americana Ariana Grande. Saldo: 22 mortes (entre elas crianças e adolescentes), 116 feridos. Fica aqui nossas condolências aos mortos e feridos da tragédia e o repúdio ao atentado. Segundo a Polícia de Manchester, tal atentado foi perpetrado por apenas um homem com artefato explosivo improvisado. Algo que muito chama a atenção a respeito desse ataque (cuja autoria o Estado Islâmico assumiu) é que seu autor, Salman Abedi (que morreu logo após acionar a carga), é descendente de uma família de origem líbia. O pai de Salman Abedi, Ramadan (o qual alega que seu filho é inocente), era na década retrasada um operador de um grupo ligado a Al Qaeda na Líbia, o Grupo Islâmico Líbio de Luta, que advogava na época a deposição de Kadaffi para substituir a Líbia Verde por um regime teocrático similar ao das petro-monarquias do Golfo Pérsico. Posteriormente, os pais de Salman Abedi fugiram para a Inglaterra, em 2011 voltaram à Líbia após a queda de Kadaffi e hoje moram em Tripoli. Salman Abedi (que cresceu na Inglaterra em uma comunidade de emigrados que se opunham ao regime de Muammar al-Kadaffi), poucos dias antes de voltar à Inglaterra, esteve treinando com terroristas na Líbia.
Na cobertura da grande mídia a respeito do incidente em questão, não vi nenhum deles falar a respeito da situação em que a Líbia se encontra desde que Muammar al-Kadaffi foi deposto há seis anos. Muammar al-Kadaffi assumiu o poder na Líbia em 1969, quando derrubou o Rei Idris I durante a Revolta dos Oficiais Livres. Antes da Revolução de 1969, a Líbia era um dos países mais pobres do mundo. Embora fosse um grande produtor de petróleo, as petroleiras ocidentais é que ficavam com a maior parte da riqueza petroleira do país enquanto que a maioria da população passava fome e inanição. Para piorar ainda mais a situação, o país contava com várias bases da OTAN. Ou seja, era um país de soberania quase nula.
Sob Kadaffi, a Líbia se tornou o país mais rico e com o maior IDH de toda a África. Ao contrário do que fazem, por exemplo, os monarcas dos Estados do Golfo Pérsico, não usava o dinheiro do petróleo para enriquecimento próprio, muito menos para construir palácios luxuosos ou comprar iates e carros importados. Ele utilizou a renda do petróleo (após sua devida nacionalização) para reconstruir o país e garantir melhores condições de vida para o povo. O país e a infraestrutura foram modernizados e inúmeros avanços sociais foram atingidos. Alcançou uma altíssima taxa de alfabetização, a saúde e a eletricidade eram gratuitas, empréstimos bancários eram livres de juros, recém-casados recebiam cerca de €50 mil para construir uma nova casa, mães recebiam cerca de €5 mil por filho, os cidadãos recebiam uma percentagem de todas as vendas do petróleo (cerca de €0,14 por litro), o governo pagava a metade do preço do seu carro, desempregados líbios recebiam o salário médio por sua profissão em benefícios, entre outros. A título de ilustração, em 1970 a Líbia tinha um IDH um pouco abaixo do Brasil (0,541 contra 0,551 do Brasil), ao passo que 37 anos depois o IDH líbio subiu para 0,810, enquanto que o IDH brasileiro era de 0,764.
Desde que Kadaffi morreu, a Líbia enquanto estado nacional se encontra esfacelada e se tornou uma terra de ninguém, um verdadeiro grande campo de treinamento de terroristas que depois são exportados para outros países. O país perdeu sua unidade política e agora abriga três diferentes governos: um em Tobruk (que domina a região oriental e que tem sob seu controle os principais recursos petroleiros) e dois em Tripoli, capital nacional, que competem pela supremacia na parte ocidental do país. Além disso, também há atualmente na Líbia células de grupos terroristas como o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Diante de tamanha instabilidade interna, a Líbia, a partir de 2011, se tornou a partir uma das principais rotas de refugiados vindos do norte da África para a Europa. De acordo com diversos organismos internacionais, desde 2015 mais de 15 mil pessoas têm sido mortas nas regiões costeiras do país tentando atravessar o Mar Mediterrâneo em direção à Europa. O próprio Kadaffi, em seus últimos meses de vida, alertou ao mundo que uma eventual deposição sua nas mãos dos grupos wahhabitas apoiados pelo Ocidente e as petro-monarquias do Golfo Pérsico a Europa e o Mar Mediterrâneo se transformaria em um mar de caos. Isso para não falar do genocídio perpetrado contra negros africanos que conta com o silêncio dos grandes meios de comunicação ocidentais.

Não vejo ninguém na mídia mainstream dizer que atentados como esse, assim como anteriores tais como os ocorridos em Paris contra o Charlie Hebdo e o Le Bataclan, nada mais são que sintomas da tragédia humanitária que tem afligido vários países do Oriente Médio e do norte da África desde a invasão norte-americana ao Afeganistão em 2001, assim como do envolvimento de países como a Inglaterra e a França (os quais durante muitos anos financiaram grupos de oposição a Kadaffi) nesses conflitos a reboque dos EUA e sua política de caos e desestabilização de governos na região. Ou seja, a Europa nada mais está que colhendo o que tem plantado no Mundo Islâmico desde o início da Primavera Árabe e arcando com o ônus de uma política teleguiada desde Washington.

Foto – “O terrorismo irá parar aqui, vai se exportar através da imigração ilegal para a Europa”. O aviso do presidente sírio Bašar al-Assad (em inglês).
Em entrevista concedida a um jornal alemão em junho de 2013, Bašar al-Assad disse que um dia a Europa pagará um preço muito caro se continuar a armar os rebeldes sírios, pois isso acarretará futuramente em uma expansão do terrorismo de matiz salafista em solo europeu, na medida em que chegarão ao Velho Continente terroristas com experiência de combate e ideologias extremistas que fatalmente vão tirar proveito da situação de marginalização social que sofrem as populações islâmicas da Europa. E o próprio Kadaffi, dois anos antes, disse que caso ele fosse derrubado pelos grupos terroristas apoiados pelo Ocidente, a Europa seria inundada por uma onda de refugiados vindos do norte da África. As profecias de Kadaffi e Assad agora estão se cumprindo na forma de uma grande onda de refugiados vindos do Mundo Islâmico em direção a Europa.
Assim, crises como a que a Síria e a Líbia (que sob a estabilidade trazidas pelos governos Assad e Kadaffi funcionavam como um dique de contenção contra tal fluxo migratório) hoje se debatem vão se repetir e desta vez não será no Oriente Médio, no norte da África ou em algum rincão periférico da Europa, e sim em grandes metrópoles do coração da Europa como Berlim, Paris, Hamburgo, Hannover, Londres, Copenhagen, Amsterdã, Oslo, Turim, Milão, Berna, Zurique, Estocolmo, Helsinque, Trondheim, Viena, Munique, Nice, Frankfurt, Manchester, Eindhoven, Dortmund, Estrasburgo, Liverpool, Barcelona, Marselha e outras tantas. Ante essa saia-justa eu vou querer ver como que os governos ocidentais vão se sentir tendo que lidar em seu próprio solo com os monstros que eles criaram e armaram no passado, ainda mais agora que a caixa de Pandora foi aberta.

Foto – A dupla moral de países como a França, a Inglaterra e os EUA na questão do terrorismo.
Algo digno de nota a respeito da repercussão que o atentado teve foi a pérola que a cantora estadunidense Katy Perry soltou em uma entrevista no dia seguinte ao atentado. A antiga cantora gospel disse que não deveria haver barreiras, fronteiras e que “nós apenas precisamos coexistir”. É a mesma Katy Perry que no pleito presidencial do ano passado apoiou Hillary Clinton (a mesma Hillary Clinton que foi a arquiteta da guerra que levou a Líbia à ruína e que riu da morte de Kadaffi e que, portanto tem responsabilidade no cartório pelo ocorrido em Manchester), participou de comícios prestando apoio à candidata democrata e que participou de uma marcha feminista contra Donald Trump logo após o republicano tomar posse. Que moral será que artistas como ela e a própria Ariana Grande (que também apoiou Hillary Clinton) tem para ficar chorando pelas mortes em Manchester sendo que apoiaram a grande responsável pela ruína da Líbia verde? Nenhuma. Talvez com a Líbia verde de pé até hoje tais crianças não estariam mortas no presente momento.

Foto – Katy Perry em comício ao lado de Hillary Clinton.
Também digno de nota é que aconteceu na mesma Manchester no dia 25 de maio, onde após um minuto de silêncio pelas vítimas do atentado uma multidão cantou a música “Don’t Look Back on Anger”, da banda Oasis (a qual foi formada em Manchester). Pelo visto ela e muitos outros artistas, estupidamente, pensam que é com amor, flores e musiquinhas do tipo “Imagine” de John Lennon que se vence o flagelo trazido por Estado Islâmico, Al Qaeda, Al Nusra e outros grupos terroristas wahhabitas que o Ocidente “livre e democrático” apoia. Quero ver se ela vai continuar com essa conversa mole na hora em que um desses fanáticos salafistas aparecer na mansão milionária dela (que certamente tem todo um sistema de segurança), enchê-la de bombas e depois estupra-la e degola-la com um facão. Talvez só assim para esses artistas deixarem de ser tão estúpidos, imbecis e cínicos. Tal flagelo se vence é denunciando o histórico apoio que o Ocidente dá a essa gente, a política de quanto pior melhor do Ocidente no Mundo Islâmico e os combatendo no campo de batalha da mesma forma com que a Rússia e o Irã fazem hoje na Síria, não com tais musiquinhas cretinas e imbecis e pedidos de paz e amor.

Foto – Charge de Latuff sobre o atentado em Manchester.
Fontes:
Assad diz que política francesa no Oriente Médio contribui para avanço do terrorismo. Disponível em:
Atentado suicida em show de Ariana Grande deixa 22 mortos e mais de 50 feridos em Manchester. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/23/internacional/1495490731_587061.html
Autor de atentado a Manchester é identificado como filho de líbios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/autor-de-atentado-manchester-identificado-como-filho-de-libios-21380843
Bomber’s father fought against Gadaffi regime with “terrorist” group (em inglês). Disponível em: https://www.theguardian.com/uk-news/2017/may/24/bombers-father-fought-against-gaddafi-regime-with-terrorist-group
Hillary Clinton bears responsibility for the Manchester atrocity (em inglês). Disponível em: http://theduran.com/hillary-clinton-bears-responsibility-for-the-manchester-atrocity/
Katy Perry on Manchester bombings: “No barriers, no borders, we all just need to co-exist” (em inglês). Disponível em: http://www.breitbart.com/big-hollywood/2017/05/23/katie-perry-on-manchester-bombing-no-barriers-no-borders-we-all-just-need-to-co-exist/
Multidão canta Oasis após minuto de silêncio em Manchester; vídeo viraliza. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/multidao-canta-oasis-apos-minuto-de-silencio-em-manchester-video-viraliza.ghtml

No laughing matter: The Manchester Bomber is the Spawn of Hilary and Barack’s Excellent Jihad adventure (em inglês). Disponível em: http://www.counterpunch.org/2017/05/29/no-laughing-matter-the-manchester-bomber-is-the-spawn-of-hillary-and-baracks-excellent-libyan-adventure/

3 comentários:

  1. Já imaginou se nosso país tomasse partido nisso? Imagine o quão dolorosa seria a picada da serpente em nosso povo.

    ResponderExcluir
  2. ["...vou querer ver como que os governos ocidentais vão se sentir tendo que lidar em seu próprio solo com os monstros que eles criaram e armaram no passado..."]
    Já estamos vendo. Além de "reagir" com canções, flores e homens de saias, também reagem chamando de fascistas e racistas qualquer um que queira reagir de verdade, o que entre outras coisas levou à eleição de Macron e levará ao suicídio civilizacional da França e da Europa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E dai para aparecer um Emirado do Cáucaso na França, um Exército de Libertação de Kosovo na Alemanha, um Front Al Nusra na Inglaterra ou um Boko Haram na Suécia é questão de tempo.

      Excluir