quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O fim de uma era no futebol - Zagallo e Beckenbauer eternos

 

Foto – Mário Jorge Lobo Zagallo (1931 – 2024).

Infelizmente, comecemos o presente ano com duas notícias tristes. No dia cinco do presente mês, nos deixou Mário Jorge Lobo Zagallo, um dos últimos remanescentes da geração vencedora do Mundial de 1958, aos 92 anos de idade, no Rio de Janeiro. E dois dias depois também nos deixou Franz Beckenbauer, aos 78 anos de idade, em sua cidade natal, Munique.

Comecemos por Zagallo. Apelidado de “Velho Lobo” e “Formiguinha”, Zagallo é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes ícones da era de ouro do futebol brasileiro.

Pode-se dizer que a importância de Zagallo para o futebol brasileiro seja tão grande quanto a de Pelé. Visto que ele não apenas venceu duas Copas do Mundo como jogador (1958 e 1962), como também uma como técnico (1970) e mais uma como auxiliar técnico (1994). Em outras palavras, esteve de alguma forma presente nas quatro primeiras conquistas da seleção brasileira de futebol em Copas do Mundo, e pode-se dizer que ele é o maior vencedor de Copas do Mundo de toda a história da competição máxima do futebol mundial. Também foi semifinalista em 1974, vice-campeão em 1998 e quartas-de-final em 2006, para não ficarmos presos apenas aos títulos por ele conquistados.

E algo digno de nota a respeito do Velho Lobo é que ele estava no Maracanã na final de 1950, aos 18 anos de idade, como integrante da Polícia do Exército, na derrota da seleção brasileira para o Uruguai, o jogo que entrou para a história como o Maracanazo. Quem diria que o mesmo Zagallo, 20 anos mais tarde, no México, estava lá conduzindo a mesma seleção canarinho ao tricampeonato mundial. Ah, o mundo e as voltas que ele dá...

E, para não ficarmos presos apenas às Copas do Mundo, as conquistas do Velho Lobo não se limitam à competição máxima do futebol mundial. Conquistou vários títulos tanto como jogador quanto como técnico pelos clubes por onde passou, incluindo a Copa da Ásia pela seleção saudita em 1984, a Copa América de 1997 pela seleção brasileira, a Taça Brasil pelo Botafogo em 1968, o campeonato saudita de 1978/1979 pelo Al-Hilal, o Campeonato Carioca pelo Flamengo em 1972 e 2001, entre tantas outras conquistas que podemos ficar listando.

Segundo o livro “Seleção Brasileira – 90 anos”, de autoria de Roberto Assaf e Antônio Carlos Napoleão, os números de Zagallo à frente da seleção principal do Brasil são os seguintes: 136 jogos, sendo 99 vitórias, 26 empates e 10 derrotas. Ao passo que com a Seleção Olímpica foram 19 partidas (14 vitórias, três empates e duas derrotas). Como coordenador técnico, o Velho Lobo esteve presente em 72 partidas, contabilizando 39 vitórias, 25 empates e oito derrotas.

Ao falar de Zagallo, não tem como não esquecer de que ele tinha o número 13 como número de sorte, como também de frases memoráveis como “vocês vão ter que me engolir!”, dita após a conquista da Copa América de 1997, visto que ele era muito criticado pela imprensa esportiva à época. Outra frase memorável é uma que ele disse na Copa de 1974 a respeito da seleção holandesa: “A Holanda é muito tico-tico no fubá, que nem o América dos anos 50”. Uma frase, diga-se de passagem, da qual Zagallo depois veio a se arrepender por conta da derrota do Brasil para a Holanda de Cruyff e Neeskens na semifinal da Copa de 1974, mas que tem uma boa dose de verdade dado o desempenho da Laranja Mecânica ao longo da história das Copas do Mundo (incluindo as eliminações para o Brasil em 1994 e 1998 e as derrotas em finais para a Alemanha Ocidental em 1974, para a Argentina em 1978 e a Espanha em 2010).

O fato é que Zagallo literalmente deu o sangue enquanto vestiu o manto verde e amarelo da seleção brasileira. Algo que infelizmente não vemos na presente geração de jogadores (os quais não raro são convocados para a canarinho por lobby de empresários do ramo e patrocinadores), mais preocupada com dancinhas toscas, pintar o cabelo de tudo quanto é cor, aparecer e viralizar nas redes sociais, ir a baladas para fazer porcaria, encher o corpo de tatuagens, entre outras coisas que a nada levam, e não em jogar futebol. Em outras palavras, mais preocupados em serem influenciadores digitais e celebridades que em serem jogadores de verdade. Triste inversão de valores, quando vemos a postura das gerações mais antigas de jogadores e comparamos com a das gerações atuais.

Navegando pelo Facebook, vi o veterano dublador Luiz Nunes, voz de personagens como Spectreman no seriado homônimo e Lord Zedd em Power Rangers Dino Fury, postar o seguinte comentário a respeito da partida de Zagallo, um comentário que sintetiza bem a situação que vivemos no futebol hoje em dia:

“Com a partida de Zagallo encerrou-se o ciclo de ouro do futebol brasileiro. Mas temos o futebol das dancinhas, cabelos exóticos, vexames...”.

Não há como discordar dele, ainda mais quando vemos a diferença de postura que vemos entre aqueles que vestiram o manto da seleção brasileira outrora e os que vestem o mesmo manto hoje em dia. Concordo com ele, sem tirar nem por.

E, como dito anteriormente na homenagem a Pelé, quando olhamos para o currículo de tantos grandes nomes da era de ouro do futebol brasileiro (tanto anteriores quanto posteriores a Pelé e Zagallo), algo bem curioso e até mesmo triste salta aos olhos, quando vemos a atual situação do futebol brasileiro: ele nunca jogou em nenhum grande time europeu.

No caso específico do Velho Lobo, ele apenas jogou no América, no Flamengo e no Botafogo ao longo de quase 20 anos de carreira como jogador. Mesmo como técnico, tirando passagens por times árabes como o Al-Hilal e selecionados como o Kuwait, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, praticamente só treinou times brasileiros.

Em sua época, era comum os jogadores brasileiros só irem jogar no exterior (como foi o caso de Pelé, de Sócrates, de Zico e de tantos outros) em fim de carreira, por volta dos 30 anos de idade, só depois de se consagrarem dentro do futebol brasileiro. E quando iam jogar no exterior, não raro jogavam em times de segundo escalão para baixo (vide Sócrates e Edmundo na Fiorentina, Zico na Udinese e no Kašima Antlers, Raí no Paris Saint Germain, Careca no Napoli, Falcão no Roma, Toninho Cerezo na Sampdoria, Bebeto no La Coruña, Casagrande no Torino e no Ascoli e tantos outros).

Naquele tempo, o sonho de todo jovem aspirante a jogador de futebol no Brasil era jogar em um time como o Santos, o Corinthians, o Vasco, o Flamengo ou o Cruzeiro, e daí para a seleção brasileira. E não em algum grande time europeu. Hoje, qualquer sub-17 mal sai das fraldas e já vai jogar em algum time europeu de primeiro escalão.

Beckenbauer, por seu turno, se tornou o maior símbolo do esporte bretão na Alemanha por dois decênios. O impacto dele na história do futebol foi tal que ele. E por conta de suas atuações em campo ele recebeu o apelido de “Der Kaiser” (O imperador, em alemão). Com sua elegância e eficiência, foi um revolucionário no futebol, visto que ele podia jogar plenamente como zagueiro, como meia e até mesmo lateral. E ainda por cima, marcar gols.

Sobre as conquistas de Beckenbauer, basta lembrarmos que ele conquistou três Ligas dos Campeões da Europa seguidas com o Bayern de Munique (1973/1974, 1974/1975 e 1975/1976), além de uma Copa Intercontinental (1976), 4 campeonatos alemães (1968/1969, 1971/1972, 1972/1973 e 1973/1974), 4 copas da Alemanha (1965/1966, 1966/1967, 1968/1969 e 1970/1971), também pelo Bayern de Munique (basta dizermos que sob Beckenbauer o Bayern de Munique deixou de ser um clube mediano do sul da Alemanha para se tornar uma potência continental). E de cereja do bolo, os títulos pela seleção alemã: Eurocopa de 1972, Copa do Mundo de 1974 e Copa do Mundo de 1990. A de 1974 como jogador e a de 1990 como técnico, o que o coloca no seleto de clube de pessoas que venceram copas do mundo tanto como jogador quanto como técnico junto de Zagallo e do francês Didier Deschamps (campeão como jogador em 1998 e como técnico em 2018, ambas pela seleção francesa).

Tal como Zagallo, Beckenbauer era um sujeito que dava o sangue pela seleção alemã. E prova disso é o jogo da semifinal na Copa de 1970, Itália 4 x 3 Alemanha, que ele, mesmo tendo sido fraturado na clavícula após o escrete germânico ter feito todas as substituições e perdendo o jogo, continuou jogando mesmo tendo que jogar com uma bandagem apoiando o braço. Algo totalmente impensável nos dias hodiernos.

Foto – Cruyff e Beckenbauer na final da Copa de 1974.

Mas enfim. Com os falecimentos não só de Zagallo e Beckenbauer (e outros que ainda estão por vir nos próximos dias e anos, infelizmente), como também de dirigentes icônicos e polêmicos do mundo do futebol tais como Eurico Miranda e Silvio Berlusconi, a sensação que eu e tantos outros temos é que estamos diante do fim de uma era, a era de ouro do futebol mundial. Uma era que vai dando seus últimos suspiros na medida em que seus grandes nomes vão deixando este mundo, um atrás do outro. Diga-se de passagem, o que vai embora não é apenas a vida deles, mas também tudo o que eles representaram em vida. Uma era na qual havia comprometimento real da parte dos jogadores que vestiam, e estes davam o sangue pela camisa que eles vestiam. Sentiam o peso da camisa e tudo o que ela representa. Hoje, infelizmente, vemos muitos jogadores mais preocupados em serem celebridades de redes sociais que jogadores na verdadeira acepção da palavra (e um bom exemplo disso é o Neymar que o PCO tanto bajula), além de não terem a mesma identificação com a torcida que outrora tinha.

E, para piorar ainda mais as coisas, tem também o fato de que os mantos das seleções que ambos vestiram não atravessam bons dias, tendo em vista os desempenhos tanto de Brasil quanto de Alemanha nas últimas Copas do Mundo (além de outras competições menores). A Alemanha, depois de ter sido campeã em 2014, não passou da primeira fase em 2018 e 2022. E o Brasil, que nas últimas Copas do Mundo sempre vem chegando pelo menos as quartas-de-final, corre o risco de começar a repetir os fiascos de Itália e Alemanha nas últimas copas do mundo caso as coisas continuem do jeito que estão e nada seja feito no sentido contrário, visto que não apenas não vence times europeus na fase eliminatória de Copa do Mundo desde a final da Copa de 2002, como também foi eliminado nas duas últimas Copas do Mundo por times europeus de segundo escalão.

Foto – Zagallo e Beckenbauer. Brasil x Alemanha, 1986.

Zagallo e Beckenbauer nos deixaram. Mas todo o legado que ambos deixaram na história do futebol, esse é eterno e ficará para sempre registrado nos livros da história do esporte bretão. Os homens se vão, mas as lendas haverão de serem lembradas para sempre.

Zagallo e Beckenbauer, presentes! Vão, ao encontro do Nosso Senhor e obrigado por tudo. O futebol só tem a agradecer a vocês e tantos outros nomes imortais do esporte bretão, tais como Pelé, Garrincha, Bellini, Djalma Santos, Fontaine, Paolo Rossi, Di Stefano, Didi, Jašin, Puskas, Cruyff, Eusébio, Maradona, Carlos Alberto Torres, Sócrates e tantos outros que também já não estão mais entre nós.

Para fechar, gostaria de falar sobre o seguinte. Nas redes sociais como Facebook, tem circulado a seguinte imagem a respeito do time campeão de 1958:

Foto – Os campeões de 1958.

Ao verem a imagem, as pessoas podem pensar que todos que fizeram parte do time vencedor da Copa de 1958 já não estão mais entre nós. Entretanto, fiz uma pesquisa pela Wikipédia e descobri há ainda alguns deles ainda vivos. São eles os meias Sandro Mazzola e Moacyr, o ponta-esquerda Pepe e o volante Dino Sani.

Um comentário:

  1. De fato, foram duas grandes perdas no futebol, só no começo deste ano de 2024, uma pena. E lamentável ver o que o futebol tornou-se; um show de mediocridades. Por isso muitos fãs de esportes estão migrando para outras modalidades, como basquete, voleibol, MMA, automobilismo...

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