domingo, 15 de agosto de 2021

Alguns apontamentos sobre a famigerada linguagem neutra.

 

Foto – Museu da Língua Portuguesa reinaugurado.

Recentemente, saiu uma notícia de que o Museu da Língua Portuguesa (um dos primeiros museus totalmente dedicados a um idioma e uma das principais instituições culturais do país), depois de passar cinco anos e meio fechado por conta de um incêndio ocorrido em 2015, foi reinaugurado em São Paulo após passar por reformas. A reinauguração, ocorrida em 31 de julho de 2021, contou com a presença dos presidentes de Cabo Verde e Portugal, além de outros representantes dos países lusófonos. A partir do dia seguinte, foi reaberto ao público. Até ai tudo bem.

O problema é que o Museu está dando abertura à famigerada linguagem neutra. Antes mesmo da reinauguração, no dia 12 de julho, houve uma postagem no perfil do Museu da Língua Portuguesa no Twitter, em que se usa a palavra “todes”, sob a alegação de que “o Museu está aberto a debater todas as questões relacionadas à língua portuguesa, incluindo a linguagem neutra”. Além disso, a atual diretora do Museu da Língua Portuguesa, a historiadora e museóloga Marília Bonas, ex-diretora do Museu da Imigração, do Museu da Resistência e do Museu do Futebol (todos situados no estado de São Paulo), é uma entusiasta dessa famigerada linguagem, a ponto de usá-la em suas redes sociais particulares.

Entretanto, especialistas na Língua Portuguesa, como é o caso das professoras de português Cíntia Chagas e Kátia Simone Benedetti, criticam tal decisão. Segundo a professora Cíntia Chagas, a assim chamada linguagem neutra marginaliza cegos e surdos e é um desrespeito ao idioma. Já Kátia Simone Benedetti diz que a argumentação de que linguagem neutra (também chamada de não-binária) advém da evolução natural do idioma é equivocada, pois tais mudanças são artificiais e, dessa forma, inconsistentes com a própria natureza estrutural do idioma.

Nós compartilhamos a posição das referidas professoras a respeito da famigerada linguagem neutra. E aqui, trarei alguns apontamentos sobre a famigerada linguagem neutra que certas militâncias (que contam com vultosos investimentos vindos do estrangeiro por parte de bilionários como George Soros – a esquerda soropositiva, diga-se de passagem) tentam impor na língua portuguesa sob o pretexto de inclusão e diversidade.

Para mim, olhando por uma perspectiva de longa duração, essa brincadeira do gênero neutro começa a partir do momento em que há alguns anos começaram a chamar favela de comunidade, negro de afrodescendente, índio de povo originário, entre outras empulhações linguísticas. Em outras palavras, a partir do momento em que o politicamente correto começa a dar seus primeiros passos no âmbito da linguagem, visando criar uma linguagem limpinha e cheirosinha (algo sobre o qual o professor José Paulo Netto já se queixa em palestras de 2012). E, com parte significativa da academia e dos meios culturais e midiáticos do país aceitando tais descalabros linguísticos, sem questioná-los.

E agora os militantes politicamente corretos, que vivem copiando as tendências que aparecem nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa ocidental como bons papagaios que são e influenciados pelas modas vindas de partidos como o Partido Democrata dos EUA, o Partido Trabalhista da Inglaterra e o Partido Socialdemocrata alemão, querem dobrar a aposta com a inclusão de um gênero neutro inexistente no idioma português.

E ai eu pergunto: depois de implantarem um gênero neutro inexistente no nosso idioma para atender aos caprichos de um bando de militantes politicamente corretos, o que mais eles vão exigir no futuro? Uma coisa é certa: sob o pretexto de combater o machismo e outras mazelas na língua, eles vão dobrar, quiçá triplicar a aposta, e mutilar ainda mais o nosso idioma para atender aos caprichos deles, a ponto de virar uma espécie de quimera linguística irreconhecível. Xadrez psicológico básico: eles começam querendo tua mão para lá na frente pegarem o teu pescoço.

No fim das contas, essa história do gênero neutro no português, da maneira como essas militâncias querem introduzir, é a mesma coisa que perfumar fezes. Muda-se o cheiro da substância, mas a essência putrefata e fétida dela continua a mesma, inalterada.

Em outras palavras, isso não passa de uma operação cosmética, uma luta contra moinhos de vento. Pois da mesma forma que o fato de a favela ser chamada de comunidade não muda o fato de que as pessoas que lá vivem moram em moradias precárias e ainda sob o tacão da polícia e da milícia, implantar um gênero neutro no nosso idioma não irá, em hipótese alguma, resolver mazelas como homofobia e outros problemas afins que afligem tais setores da população. Talvez até os piore e os alimente ainda mais, diga-se de passagem, já que esse tipo de coisa inevitavelmente causará antipatia de amplos setores da população para com eles e que inevitavelmente dará seus votos a políticos como Bolsonaro e outros afins que saibam explorar essa questão em favor deles (ainda que de forma demagógica e com finalidade eleitoreira).

Parafraseando o que o professor José Paulo Netto disse na palestra em questão de 2012, não contem conosco para o politicamente correto. Vamos continuar usando todas as palavras que não agradem às militâncias politicamente corretas, porque a nossa luta não é vocabulário.

Foto – A divisão dos Idiomas europeus segundo a estrutura de gênero que usam. Azul claro – sem distinção de gênero; Vermelho – gêneros masculino e feminino; Verde – Gêneros Animado e Inanimado; Amarelo – gêneros comum e neutro; Azul escuro – tripartição masculino/feminino/neutro (mapa tirado da Wikipédia em inglês).

Segundo que nos idiomas em que se usa gênero neutro, a exemplo do russo, do alemão, do latim, do romeno, do tcheco, do servo-croata, do norueguês e do polonês, o gênero neutro (em russo srednij rod/средний род) geralmente é usado para se referir a coisas e objetos. Em inglês temos três pronomes: o he (masculino), she (feminino) e o it (neutro), sendo que o último também é usado para se referir a coisas e objetos.

E o que determina o gênero de uma palavra é ou o artigo que a antecede (como ocorre em idiomas como o alemão, o francês, o italiano, o português e o espanhol), ou a letra de terminação da palavra (como no caso dos idiomas eslavos como o russo, o ucraniano e o bielorrusso). No alemão, há o artigo neutro das e suas declinações, como em, por exemplo, Das Rheingold (o ouro do Reno – título de uma famosa ópera de Richard Wagner, parte da tetralogia do anel) e Das Kapital (O Capital – uma das principais obras de Karl Marx, publicada em 1867).

Já no russo, um idioma que não utiliza artigos, o gênero neutro é usado em palavras terminadas em o (о), je (е), jo (ё), joe (ое) e mja (мя) no caso dos substantivos e oje (ое), ‘je (ье) e jeje (ее) no caso dos adjetivos. Como é o caso de palavras como ružë/ружё (fuzil, carabina), vremja/время (tempo), plat’ë/платьё (vestido), plamja/пламя (chama), plemja/племя (tribo), oružije/оружие (arma), mlekopitajuŝee/млекопитающее (mamífero), nasekomoe/насекомое (inseto), mjesto/место (lugar) e derjevo/дерево (floresta, madeira). Na historiografia russa, encontramos termos como o Smutnoe Vremja/Смутное Время (tempo de dificuldades), o período de transição dinástica entre os Rjurikoviči e os Romanov, que dura de 1598 a 1613, um período muito difícil na história russa por sinal, no qual a capital russa, Moscou, chegou a ser invadida e ocupada pelos poloneses durante dois anos (1610 a 1612).

No fim das contas, o que essas militâncias politicamente corretas estão fazendo com toda essa história da linguagem neutra é algo paradoxal: em nome da inclusão e da diversidade, estão lutando para serem chamados de coisa, e não de gente. Que depois eles não fiquem chateados na hora em que as pessoas começarem a olhá-los e chama-lo de coisa ou algo similar. Resumindo a ópera, estão é dando um tiro nos próprios pés, do alto da estupidez deles.

Foto – Número de gêneros gramaticais nos diferentes idiomas do mundo. Em branco – sem gênero; Amarelo – dois gêneros; Laranja – três gêneros; Vermelho – quatro gêneros; Preto – mais de quatro gêneros (mapa tirado da Wikipédia em russo).

Fontes:

Grammatical gender (em inglês). Disponível em: Grammatical gender - Wikipedia

Museu da Língua Portuguesa é reinaugurado após quase seis anos fechado em reforma por causa de incêndio. Disponível em: Museu da Língua Portuguesa é reinaugurado após quase seis anos fechado em reforma por causa de incêndio | São Paulo | G1 (globo.com)

Museu da língua portuguesa erra ao adotar linguagem neutra. Disponível em: Museu da Língua Portuguesa erra ao adotar linguagem neutra - YouTube

Род (лингвистика) (em russo). Disponível em: Род (лингвистика) — Википедия (wikipedia.org)

Museu da Língua Portuguesa reabre sob “nova fase” com defesa da linguagem neutra. Disponível em: Museu da Língua Portuguesa é reaberto com defesa da linguagem neutra (gazetadopovo.com.br)

2 comentários:

  1. Depois esses estúpidos politicamente corretos não sabem por que Bolsonaro e outros políticos neofascistas são eleitos, e continuam a ser ad eternum.

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  2. E o pior, é que desde muito antes desse milirritantes sequer sonharem com isso, eu já defendi a inclusão de um gênero neutro em nosso idioma por motivos totalmente diferentes. Esse tema é quase uma tragédia pessoal para mim. https://youtu.be/VNtCtoCrjr8

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